Na visão de Jack Schultz, plantas são ‘como animais muito lentos’: conseguem ver, ouvir, cheirar e até têm comportamentos. Professor da Divisão de Ciências Vegetais da Universidade de Missouri, nos Estados Unidos, ele passou quatro décadas investigando as relações entre vegetais e insetos. Segundo o cientista, as plantas lutam por território, procuram alimentos, evitam predadores e fazem armadilhas para suas presas. Logo, estão vivas no mesmo sentido que os animais - assim como eles, exibem condutas.
‘Para ver isso, basta você fazer um filme rápido de uma planta em crescimento - ela vai se comportar como um animal’, acrescenta Olivier Hamant, um cientista especializado em vegetais da Universidade de Lion, na França. Qualquer pessoa que tenha visto documentários sobre a natureza, ao estilo de Life, de David Attenborough, pode verificar que vídeos em time-lapse demonstram claramente o comportamento das plantas. As plantas registradas nessas imagens em alta velocidade estão se movendo com um objetivo, o que significa que elas devem ter alguma consciência do que está acontecendo em volta. ‘Para responder corretamente, as plantas também precisam de dispositivos de detecção sintonizados às condições que variam’, explicou Schultz.
Mas o que uma planta sente? Se você acreditar no que afirma Daniel Chamovitz, da Universidade de Tel Aviv, em Israel, os sentimentos delas não são tão diferentes dos nossos. Quando decidiu escrever What a Plant Knows (‘O que uma Planta Sabe’, em tradução livre), livro lançado em 2012 no qual explora a vida delas com base em pesquisas científicas rigorosas e avançadas, o cientista ficou apreensivo.
‘Eu estava extremamente preocupado com a reação que (o livro) iria causar’, disse. Tanta cautela tinha motivos. As descrições em seu livro de plantas vendo, cheirando, sentindo e até sabendo o que se passava à sua volta lembra A Vida Secreta das Plantas (de Peter Tompkins e Christopher Bird), um livro publicado em 1973 que fez muito sucesso naquela época, mas tinha pouca coisa em termos de fatos. Uma das coisas que o livro afirmava, na qual muitos ainda acreditam, é a ideia totalmente desacreditada que as plantas reagem de forma positiva à música clássica. Mas o estudo da capacidade de percepção das plantas avançou muito desde a década de 1970, e nos últimos anos houve um aumento nas pesquisas sobre o assunto. A motivação para esse trabalho não foi simplesmente demonstrar que ‘as plantas também têm sentimentos’, mas também tentar saber por que e como uma planta sente seu ambiente.
Heidi Appel e Rex Cocroft, colegas de Schultz em Missouri, estão tentando descobrir a verdade a respeito da audição das plantas. ‘A principal contribuição de nosso trabalho foi fornecer uma razão para as plantas serem afetadas pelo som’, disse Appel. Uma sinfonia de Beethoven não causa muita coisa em uma planta, mas a aproximação de uma lagarta faminta é outra história.
Em suas experiências, Appel e Cocroft descobriram que gravações do barulho que as lagartas fazem ao mastigar fizeram as plantas inundarem suas folhas com defesas químicas para afastar predadores. ‘Mostramos que plantas respondiam a um 'som' de relevância ecológica’, disse Cocroft. E a relevância ecológica é a chave. Consuelo de Moraes, do Insituto Federal de Tecnologia da Suíça, em Zurique, e colaboradores demonstraram que além de ouvir insetos se aproximando, algumas plantas também podem sentir o cheiro deles, ou sentir o cheiro de sinais voláteis emitidos por plantas próximas em resposta a eles.
Em 2006 ela demonstrou como uma planta parasita, a Cuscuta europaea, consegue farejar um hospedeiro em potencial. A espécie de videira avança pelo ar e se enrola em volta de seu hospedeiro, extraindo seus nutrientes. Em termos conceituais, não há muito que difere essas plantas de nós. Elas sentem o cheiro ou ouvem algo e então reagem, assim como os humanos.
Mas existe uma diferença importante, é claro. ‘Na verdade não sabemos o quanto os mecanismos de percepção de odores das plantas são parecidos com os dos animais, já que não sabemos muito sobre esses mecanismos nelas’, disse Moraes. De fato: nós temos narizes e orelhas. Mas, e uma planta? A falta de órgãos sensoriais óbvios torna mais difícil o entendimento dos sentidos delas. Nem sempre este é o caso - os fotorreceptores, que as plantas usam para ‘ver’, por exemplo, são bem estudados -, mas com certeza esta é uma área que precisa de mais pesquisa. Appel e Cocroft esperam descobrir que parte ou partes da planta respondem a sons. Os candidatos mais prováveis são as proteínas mecanorreceptoras encontradas em todas as células delas. Estas microdeformações ainda podem reagir ao barulho de insetos. Tudo indica que, para uma planta, não há necessidade de algo tão incômodo como uma orelha.
Outra habilidade que nós e plantas temos é a propriocepção, o ‘sexto sentido’ que permite que saibamos onde as várias partes de nosso corpo estão no espaço. Pelo fato desse sentido não ser intrinsecamente ligado a um órgão em animais - depende de um circuito de retorno entre os mecanorreceptores e o cérebro -, a comparação com as plantas é mais clara. Os detalhes moleculares são um pouco diferentes dos nossos, mas elas também têm mecanorreceptores que detectam mudanças em seu ambiente e respondem de acordo.
‘A ideia geral é a mesma’, disse Olivier Hamant, que foi coautor de uma pesquisa de avaliação de propriocepção em 2016. ‘Até agora sabemos que (a propriocepção) em plantas tem mais a ver com os microtúbulos (componentes estruturais da célula), respondendo ao esticamento e deformação mecânica.’ Na verdade, um estudo publicado em 2015 parece mostrar semelhanças que vão ainda mais longe, sugerindo que a proteína actina - componente importante do tecido muscular - tem um papel importante na propricepção das plantas. ‘Isso não tem tanta base, mas há algumas provas de que as fibras de actina em tecido estão envolvidas, quase como músculo’, explicou Hamant.
Essas descobertas não são únicas. Enquanto as pesquisas no sentido das plantas avançaram, os pesquisadores começaram a descobrir padrões repetidos que dão pistas de paralelos mais profundos com animais. Em 2014, uma equipe da Universidade de Lausanne, na Suíça, mostrou que, quando uma lagarta ataca uma planta Arabidopsis, ela desencadeia uma onda de atividade elétrica. A presença de sinais elétricos em plantas não é uma ideia nova - o fisiologista John Burdon-Sanderson propunha ainda em 1874 que eles eram um mecanismo usado pela planta carnívora dioneia (ou vênus-papa-moscas).
Mas o que surpreende mais é o papel de moléculas chamadas receptoras de glutamato - o mais importante neurotransmissor em nosso sistema nervoso central, que tem exatamente o mesmo papel em plantas, exceto por uma diferença crucial: plantas não têm sistema nervoso.
‘A biologia molecular e o genoma nos mostram que plantas e animais são compostos de um número surpreendentemente limitado de 'blocos de construção' moleculares, que são muito parecidos’, explicou Fatima Cvrcková, pesquisadora na Universidade Charles, em Praga, na República Tcheca. Comunicações elétricas evoluíram de duas formas diferentes, cada vez usando uma série de blocos de construção que podem datar de antes da separação entre plantas e animais, há cerca de 1,5 bilhão de anos. ‘A evolução levou a um certo número de mecanismos potenciais para comunicação, e você até pode chegar a isso de formas diferentes, mas o fim ainda é o mesmo’, contou Chamovitz.
A percepção da existência dessas semelhanças e que as plantas têm uma habilidade muito maior de sentir o mundo do que as aparências sugerem levou a algumas teorias sobre ‘inteligência das plantas’ e até gerou uma nova disciplina. Sinais elétricos em plantas foram um dos fatores principais do nascimento da ‘neurobiologia vegetal’ (um termo usado apesar da falta de neurônios das plantas) e hoje há pesquisadores estudando áreas não tradicionais no estudo de vegetais como memória, aprendizado e resolução de problemas. Essa forma de pensar até levou legisladores na Suíça a estabelecer diretrizes para proteger a ‘dignidade das plantas’, seja lá o que isso quer dizer.
E enquanto muitos consideram os termos ‘inteligência das plantas’ ou ‘neurobiologia vegetal’ como metafóricos, outros fazem críticas. Até mesmo Chamovitz. ‘Se eu acho que plantas são inteligentes? Acho que plantas são complexas’, responde. Para o pesquisador, complexidade não deve ser confundida com inteligência.
É útil descrever plantas em termos antropomórficos para facilitar a explicação de ideias. Mas há limites. O risco é que as plantas acabem sendo vistas como versões inferiores dos animais, o que é errado. ‘Nós, pesquisadores das plantas, ficamos felizes em falar sobre as semelhanças e diferenças entre os estilos de vida das plantas e dos animais quando apresentamos os resultados de alguma pesquisa sobre plantas para o público’, disse Cvrcková. No entanto, ela acredita que usar essas metáforas para descrever plantas tem um preço. ‘Você quer evitar (essas metáforas), a não ser que você esteja interessado em um debate (geralmente inútil) sobre se as cenouras conseguem ou não sentir dor quando são mordidas.’
Plantas são extremamente adaptadas para fazer exatamente o que precisam. Elas podem não ter um sistema nervoso, mas superam isso em outras áreas. Por exemplo: apesar de não ter olhos, plantas como a Arabidopsis têm pelo menos 11 tipos de fotorreceptores. Nós temos apenas quatro. Isso significa que, de certa forma, a ‘visão’ delas é mais complexa que a nossa.
A verdade é que as plantas têm prioridades diferentes das nossas, e seus sistemas sensoriais refletem isso. Como Chamovitz afirma em seu livro ‘luz, para uma planta, é muito mais do que um sinal; luz é comida’. As plantas podem enfrentar os mesmos desafios que os animais, mas suas necessidades sensoriais também são moldadas pelas coisas que as diferenciam. ‘O enraizamento das plantas, o fato de elas não se moverem, significa que elas precisam ser muito mais atentas ao ambiente onde vivem do que eu ou você’, explicou Chamovitz.
Para entender totalmente como as plantas percebem o mundo, é importante que os cientistas e o público em geral apreciem os vegetais pelo que eles são. ‘O risco é, se continuarmos comparando (plantas) com animais, não percebermos o valor das plantas’, disse Hamant. ‘Gostaria de ver as plantas reconhecidas mais como os seres vivos incríveis, interessantes e exóticos que são e menos como apenas uma fonte de nutrição e biocombustíveis para os humanos’, acrescentou Cvrcková. Esse tipo de atitude pode beneficiar a todos.
Genética e eletrofisiologia são apenas alguns exemplos de áreas que começaram com pesquisas em plantas e provaram ser revolucionárias para a biologia como um todo. Por outro lado, perceber que temos algumas coisas em comum com as plantas pode ser uma oportunidade para aceitar que somos mais parecidos com elas do que gostamos de imaginar, assim como as plantas são mais parecidas com os animais do que nós pensamos.
Para Chamovitz, as semelhanças devem nos alertar para a surpreendente complexidade das plantas e para os fatores em comum que conectam todas as formas de vida na Terra. ‘Então poderemos começar a apreciar a união na biologia.’
Um outro artigo abordando a capacidade de ouvir das flores:
Mesmo nos dias mais calmos, o mundo está cheio de sons: o chilrear dos pássaros, o vento atravessando as árvores e insetos sussurrando sobre seus negócios. As orelhas do predador e da presa estão sintonizadas com a presença uma da outra. O som é tão elementar à vida e à sobrevivência que levou a pesquisadora da Universidade de Tel Aviv, Lilach Hadany, a perguntar: E se não fossem apenas animais que pudessem sentir o som - e se as plantas pudessem também? Os primeiros experimentos para testar essa hipótese, publicados recentemente no servidor de pré-impressão bioRxiv, sugerem que, em pelo menos um caso, as plantas podem ouvir e conferir uma vantagem evolutiva real.
A equipe de Hadany observou as prímulas noturnas (Oenothera drummondii) e descobriu que, poucos minutos depois de sentir as vibrações das asas dos polinizadores, as plantas aumentavam temporariamente a concentração de açúcar no néctar de suas flores. Com efeito, as próprias flores serviam como ouvidos, captando as frequências específicas das asas das abelhas enquanto sintonizavam sons irrelevantes como o vento.
Como um teórico evolucionista, Hadany diz que sua pergunta foi motivada pela percepção de que os sons são um recurso natural onipresente - um que as plantas estariam desperdiçando se não aproveitassem isso como os animais. Se as plantas tivessem uma maneira de ouvir e responder ao som, ela imaginou, isso poderia ajudá-las a sobreviver e transmitir seu legado genético.
Como a polinização é fundamental para a reprodução das plantas, sua equipe começou investigando flores. A prímula, que cresce selvagemente nas praias e nos parques ao redor de Tel Aviv, surgiu como uma boa candidata, já que tem um longo período de floração e produz quantidades mensuráveis de néctar. Para testar as prímulas no laboratório, a equipe de Hadany expôs as plantas a cinco tratamentos sonoros: silêncio, gravações de uma abelha a quatro polegadas de distância e sons gerados por computador em baixas, intermediárias e altas frequências. As plantas que recebiam o tratamento silencioso - colocado sob frascos de vidro que bloqueavam a vibração - não apresentavam aumento significativo na concentração de açúcar no néctar. O mesmo ocorreu com plantas expostas a sons de alta frequência (158 a 160 kilohertz) e frequência intermediária (34 a 35 kilohertz). Mas para as plantas expostas a reproduções de sons de abelha (0,2 a 0,5 kilohertz) e similarmente sons de baixa frequência (0,05 a 1 kilohertz), a análise final revelou uma resposta inconfundível. Três minutos após a exposição a essas gravações, a concentração de açúcar nas plantas aumentou de 12 a 17% para 20%.
Um tratamento mais doce para os polinizadores, segundo sua teoria, pode atrair mais insetos, aumentando potencialmente as chances de uma polinização cruzada bem-sucedida. De fato, em observações de campo, os pesquisadores descobriram que os polinizadores eram mais de nove vezes mais comuns em torno das plantas que outro polinizador havia visitado nos seis minutos anteriores. ‘Ficamos muito surpresos quando descobrimos que realmente funcionou’, diz Hadany. ‘Mas depois de repeti-lo em outras situações, em diferentes estações do ano e com plantas cultivadas tanto em ambientes internos quanto externos, nos sentimos muito confiantes no resultado’.
Enquanto a equipe pensava em como o som funciona, através da transmissão e interpretação das vibrações, o papel das flores tornou-se ainda mais intrigante. Embora as flores variem muito em forma e tamanho, muitas delas são côncavas ou em forma de tigela. Isso os torna perfeitos para receber e amplificar as ondas sonoras, muito parecido com uma antena parabólica. Para testar os efeitos vibracionais de cada grupo de testes de frequência sonora, Hadany e sua coautora Marine Veits, então estudante de pós-graduação no laboratório de Hadany, colocam as flores de prímula sob uma máquina chamada vibrômetro a laser, que mede movimentos minúsculos. A equipe então comparou as vibrações das flores com as de cada um dos tratamentos sonoros.
‘Esta flor específica é em forma de tigela, falando tão acusticamente, faz sentido que esse tipo de estrutura vibre e aumente a vibração dentro de si’, diz Veits. E de fato o fez, pelo menos para as frequências dos polinizadores. Hadany diz que foi emocionante ver as vibrações da flor combinando com os comprimentos de onda da gravação das abelhas. ‘Você vê imediatamente que funciona’, diz ela. Para confirmar que a flor era a estrutura responsável, a equipe também realizou testes em flores que tiveram uma ou mais pétalas removidas. Essas flores não ressoaram com nenhum dos sons de baixa frequência.
Hadany reconhece que existem muitas, muitas questões sobre esta nova capacidade de resposta das plantas ao som. Algumas ‘orelhas’ são melhores para certas frequências do que outras? E por que a prímula torna seu néctar tão mais doce quando se sabe que as abelhas são capazes de detectar mudanças na concentração de açúcar de 1 a 3%? Além disso, essa capacidade poderia conferir outras vantagens além da produção de néctar e polinização? Hadany postula que talvez as plantas se alertem mutuamente ao som de herbívoros que ceifam seus vizinhos. Ou talvez eles possam gerar sons que atraiam os animais envolvidos na dispersão das sementes dessa planta.
‘Temos que levar em conta que as flores evoluíram com polinizadores por muito tempo’, diz Hadany. ‘Eles são entidades vivas e também precisam sobreviver no mundo. É importante que eles sejam capazes de sentir seu ambiente, especialmente se não puderem ir a lugar nenhum.’
Este único estudo abriu um campo totalmente novo de pesquisa científica, que Hadany chama de fitoacústica. Veits quer saber mais sobre os mecanismos subjacentes por trás do fenômeno observado pela equipe de pesquisa. Por exemplo, que processos moleculares ou mecânicos estão impulsionando a resposta de vibração e néctar? Ela também espera que o trabalho afirme a ideia de que nem sempre é necessário um órgão sensorial tradicional para perceber o mundo.
‘Algumas pessoas podem pensar: como as plantas podem ouvir ou cheirar?’, Diz Veits. ‘Eu gostaria que as pessoas entendessem que a audição não é apenas para ouvidos’.
Richard Karban, um especialista em interações entre plantas e suas pragas na Universidade da Califórnia em Davis, tem questões próprias, em particular, sobre as vantagens evolutivas das respostas das plantas ao som. ‘Pode ser possível que as plantas sejam capazes de detectar quimicamente seus vizinhos e avaliar se outras plantas ao seu redor são fertilizadas’, diz ele. ‘Não há evidências de que coisas assim estão acontecendo, mas [este estudo] deu o primeiro passo’.
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