Como se sabe, o “Segredo de Fátima” possui três partes, na segunda das quais, Nossa Senhora disse às crianças: “A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra pior. Quando virdes uma noite, alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai a punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir virei pedir a consagração da Rússia a meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz, se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será consedido ao mundo algum tempo de paz” (os erros ortográficos correspondem ao documento original).
Em 13 de junho de 1929, no convento das Irmãs Doroteas, em Tuy, a Irmã Lúcia recebeu uma aparição da Santíssima Virgem, que lhe disse: “é chegado o momento em que Deus pede ao Santo Padre fazer, em união com todos os bispos do mundo, a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração, prometendo salvá-la por este meio. São tantas as almas que a Justiça de Deus condena por pecados contra Mim cometidos, que venho pedir reparação; sacrifica-te por esta intenção e ora”.
Em março de 1937, ela escreve a Pio XI nos seguintes termos: “O bom Deus promete terminar a perseguição na Rússia, se Vossa Santidade se dignar fazer e mandar que o façam igualmente os Bispos do mundo católico, um solene e público ato de reparação e consagração da Rússia aos Santíssimos Corações de Jesus e de Maria, e aprovar e recomendar a prática da devoção reparadora”.
A resposta de Pio XI foi um clamoroso silêncio. De fato, ele não acreditava nessas intervenções sobrenaturais e costumava dizer que “se Cristo quisesse dizer alguma coisa para a Igreja, diria para mim, que sou o seu vigário”, ignorando que Deus se serve sempre dos pequenos para tocar o coração dos grandes.
Pio XII fez a Consagração, mas de forma privada.
A partir de João XXIII, as relações com Moscou se intensificam. Paulo VI, um dos principais articuladores da política de abertura para com o regime comunista, prossegue com a mesma atitude.
João Paulo II coloca em crise a Oustpolitik, dificultando a posição de distensão com o regime soviético, sustentada pelo Cardeal Casaroli.
Em 1982, um ano após o atentado que quase lhe tirou a vida, João Paulo II compôs uma Consagração a Nossa Senhora, na qual não se mencionou a Rússia. Em 1984, ele fez a Consagração do mundo, mas mencionou apenas “aqueles homens e aquelas nações, que desta entrega e desta consagração têm particularmente necessidade”.
Meses depois, a Irmã Lúcia deu uma entrevista à revista “Sol de Fátima” em que afirma: “Não houve participação de todos os bispos e não houve menção da Rússia.” O entrevistador pergunta: “Então a consagração não foi feita como foi pedida por Nossa Senhora?” e a Irmã Lúcia respondeu: “Não. Muitos Bispos não deram importância a este ato”.
O teólogo Pe. René Laurentin deu uma entrevista à revista Chrétiens-Magazine, em março de 1987, afirmando que “a Irmã Lúcia continua insatisfeita. […] Ela pensa, parece, que a consagração não foi feita de acordo com o pedido de Nossa Senhora”.
Deus, porém, não engana os seus servos. E assim foi com a Irmã Lúcia. Numa comunicação íntima, Nosso Senhor lhe disse: “Não quiseram atender ao meu pedido. Como o Rei da França, arrepender-se-ão; e fá-la-ão, mas será tarde. A Rússia terá já espalhado os seus erros pelo mundo”.
Nosso Senhor se referia aí ao fato de que Ele pedira ao Rei de França, Luís XIV, que a consagrasse ao seu Sacratíssimo Coração. O Rei não quis atender ao pedido feito através de Santa Margaria Maria Alacoque e, em exatos 100 anos, seu sucessor, Luís XVI, fê-la na prisão, mas já era tarde demais: ele foi logo depois guilhotinado, durante a sangrenta Revolução Francesa.
Em carta ao seu confessor, aos 18 de maio de 1936, a Irmã Lúcia escreveu: “intimamente, tenho falado a Nosso Senhor do assunto; e há pouco perguntava-Lhe por que não convertia a Rússia sem que Sua Santidade fizesse essa consagração”. Foi esta a resposta: “porque quero que toda a minha Igreja reconheça essa consagração como um triunfo do Coração Imaculado de Maria, para depois estender o seu culto e pôr, ao lado da devoção do meu Divino Coração, a devoção deste Imaculado Coração”.
A este propósito, vem a calhar uma visão profética tida por Jacinta no leito de sua enfermidade, segundo relato da própria Irmã Lúcia na “Terceira Memória”: “passado algum tempo, a Jacinta ergue-se e chama por mim: – Não vês tanta estrada, tantos caminhos e campos cheios de gente, a chorar com fome, e não tem nada para comer? E o Santo Padre em uma Igreja, diante do Imaculado Coração de Maria, a rezar? E tanta gente a rezar com Ele”?
Essa visão parece explicar de modo muito nítido que a Consagração pedida pela Santíssima Virgem seria, um dia, feita, mas que, dada a desobediência de oito papas, seria tarde demais… Agora, há quase 100 anos do pedido feito por Nossa Senhora à Irmã Lúcia, estamos diante de mais uma tentativa.
Em 1917, a Santíssima Virgem anunciara que viria a pedir a Consagração da Rússia. Depois, em 1929, detalhou em que consistiria essa Consagração: deveria ser consagrada a Rússia pelo Papa, ato ao qual deveriam unir-se os bispos de todo o mundo (Ela não diz que precisariam fazê-lo simultaneamente nem no mesmo lugar).
O ato de reparação mencionado por Lúcia na carta a Pio XI de 1937 parece não fazer parte da essência mesma do próprio ato de consagração, mas, sim, ser uma decorrência lógica deste, pois a Consagração consiste em transferir a Deus a posse sobre um objeto ou pessoa, reconhecendo o seu domínio absoluto sobre aquilo e o seu direito de dispor daquilo como bem o queira, subtraindo-o de outros domínios que são alheios à sua vontade (ou seja, reparando simultaneamente a inadequação daquele objeto à finalidade própria da consagração).
É importante que se distinga muito bem aquilo que pertence à substância da Consagração daquilo que é uma decorrência acidental da mesma, pois não faltam aqueles que não desistem de encontrar sempre detalhes mínimos que invalidariam um ato que, pela sua própria natureza, corresponderia à petição da Santíssima Virgem.
Ademais, alguns têm objetado que a adição da Ucrânia à Consagração poderia invalidá-la de acordo com a petição de Nossa Senhora. A isso cabe-nos dizer que, à época do pedido, a Ucrânia pertencia ao território da Rússia e, além disso, a própria Rússia nasceu de Kiev, atual capital da Ucrânia. Por fim, Nossa Senhora pediu a Consagração da Rússia e não mencionou nenhuma cláusula excludente: fazendo-a, devemos pressupor que está feita!
As condições requeridas pela Santíssima Virgem precisam ser decididamente obedecidas. Diante do que dissemos, podemos mencionar as duas principais condições
1- A consagração deve ser feita pelo Papa. Ora, diante das questões que se levantam no atual pontificado, como podemos garantir essa questão? A renúncia de Bento XVI foi válida? A eleição de Bergoglio foi válida, diante da manipulação da máfia de St. Gallen? Caso essas dificuldades tenham uma resposta positiva, as heresias pronunciadas por Francisco, especialmente no caso de Amoris Lætitia, o qual foi objeto de pública advertência por parte de quatro cardeais, não o fariam perder ipso facto o sumo pontificado?
A nossa impressão é que tais questões são muitíssimo difíceis de serem resolvidas, demandam a autoridade magisterial e infalível da Igreja, e que, na pior das hipóteses, estaríamos naquilo que o Direito Canônico chama de jurisdição de suplência em caso de erro comum e, sendo assim, estando na posição de cabeça da Igreja, Francisco poderia eventualmente fazer a Consagração.
Não será isso a que alude a misteriosa linguagem do Segredo de Fátima quando descreve a confusa figura de “um Bispo vestido de Branco que ‘tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre’”?
2- A consagração deve ser feita por todos os bispos em união com Ele. Na comunicação da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni afirma que “na sexta-feira, 25 de março, durante a Celebração da Penitência que presidirá às 17h na Basílica de São Pedro, o Papa Francisco consagrará a Rússia e a Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria. O mesmo ato, no mesmo dia, será realizado em Fátima por Sua Eminência o Cardeal Krajewski, Esmoleiro de Sua Santidade, como enviado do Santo Padre”.
Ali, não se mencionam os bispos de todo o mundo. Esta seria uma omissão grave.
Hoje, a presidência do CELAM convocou todos os bispos das 22 conferências episcopais latino-americanas a se unirem a Francisco no ato de Consagração da Rússia e da Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria. Que o mesmo aconteça com os demais episcopados do mundo inteiro e, sobretudo, que venha a conclamação por parte da Santa Sé! Rezemos por isso!
Nossa Senhora deixou bem claro que a finalidade da Consagração é a conversão da Rússia. Deus usa muitas vezes instrumentos inadequados, ineptos, para alcançar os seus fins. Precisamos ter confiança na Divina Providência e esperar que Deus se sirva da boa disposição dos seus filhos nessa hora decisiva da história humana.
Talvez, a situação nebulosa que esteja para acontecer mais adiante (não esqueçamos que o Vaticano tem informações muito mais precisas do que todos nós) e o perigo de uma guerra atômica sejam aquelas circunstâncias que obrigam os homens da Igreja a acreditar, mesmo que tenham tido o coração duro até agora.
Nossa Senhora deixou muito claro que, feita a Consagração, “a Rússia se converterá”. Esta, aliás, é uma prova de que as Consagrações anteriores não foram válidas e, portanto, será o fruto que teremos de verificar caso esta o seja.
É muito interessante a linguagem da Santíssima Virgem. Ela não afirma a conversão dos russos, mas a conversão da Rússia: ou seja, Ela está falando de um Estado Católico, do reinado social de Jesus Cristo numa nação e na bênção que isso será para o mundo inteiro.
Numa carta ao seu diretor espiritual, em 18 de maio de 1936, Irmã Lúcia escreveu: “Intimamente, tenho falado com Nosso Senhor sobre o assunto [da consagração da Rússia]; e há pouco perguntava-Lhe por que não convertia a Rússia sem que Sua Santidade fizesse essa consagração. ‘Porque quero que toda a minha Igreja reconheça essa consagração como um triunfo do Imaculado Coração de Maria, para depois estender o seu culto e pôr, ao lado da devoção do meu Divino Coração, a devoção deste Imaculado Coração’. Mas, meu Deus, o Santo Padre não me há-de crer, se Vós mesmo não o moveis com uma inspiração especial. ‘O Santo Padre! Ora muito pelo Santo Padre! Ele há de fazê-la, mas será tarde! No entanto, o Imaculado Coração de Maria há-de salvar a Rússia. Está-Lhe confiada’”.
Mesmo que o ato de consagração não seja efetivamente realizado dentro das condições pedidas por Nossa Senhora, algo da benevolência divina se desatará sobre nós, como aconteceu com as Consagrações de 1942 e de 1984, que encurtaram a 2ª. Guerra Mundial e conseguiram a queda da União Soviética.
Uma questão crucial fica, ainda, em pé: nós precisamos saber as palavras de Nossa Senhora quanto ao “Terceiro Segredo”, pois apenas isso nos mostrará o verdadeiro porquê dessa Consagração.
Não podemos cair numa esperança pueril e romântica, de que o triunfo do Imaculado Coração de Maria chegará semana que vem, nem no fatalismo de quem acha impossível que aconteça uma especial intervenção divina mediante a Consagração.
Fato é que a grande graça de que necessitamos não é apenas uma “paz bélica”, o mero cessar da guerra. A graça maior será entender o que Nossa Senhora falou para que se abra o nosso entendimento para compreendermos sobrenaturalmente o que está acontecendo na Igreja e no mundo. De que adiantaria uma “paz bélica” com o mundo submerso no pecado (desde as mais grotescas heresias até as mais absurdas abominações como o aborto e a sodomia generalizada, desde o triunfo dos hereges dentro da Igreja até a perseguição dos bons no interno da mesma)?
Independentemente do que belicamente há de acontecer, a grande solução para todos os problemas está nas palavras do Santo Anjo na visão do “Terceiro Segredo”: “Penitência! Penitência! Penitência!”. É chegada a hora da conversão. E, neste sentido, não deixa de ser eloquente que a Consagração seja feita durante uma sexta-feira da Quaresma e no contexto de uma celebração penitencial, no dia em que celebramos a festa da Encarnação do Verbo, “por nós homens e pela nossa salvação”, pois a conversão dos homens de Igreja a Cristo é uma etapa necessária para a conversão do mundo.