No princípio do século XV, vivia em Caravaggio (diocese de Cremona), lugarejo a 38 km de Milão, Itália, uma jovem muito piedosa, Giannetta Vacchi.
Por ser muito devota de Nossa Senhora, jejuava na véspera de suas festas, que ela celebrava com grande fervor. Além disso, não deixava passar um só dia sem se recomendar à Mãe de Deus, e, durante o dia, quer estivesse a trabalhar em casa, quer se entregasse aos trabalhos do campo, suspendia o trabalho por breves momentos para elevar sua mente à Virgem bendita. Era, em suma, uma daquelas almas virtuosas e simples que tanto agradam ao Senhor.
Casada contra sua vontade com Francisco Varoli, teve de sofrer duríssimas provações, pois o malvado do marido não só a ofendia com os maiores insultos, mas também chegava a bater-lhe. Contudo, ela suportava injúrias e maus-tratos com admirável resignação, recomendando-se a Nossa Senhora com fervor sempre crescente, à medida que aumentavam os tormentos que lhe infligia o desumano marido.
Estava Giannetta para completar o 32º ano de sua tormentosa existência (e ninguém suspeitava que em breve terminariam suas tribulações), quando inesperadamente começa a paciente senhora a desfrutar o conforto da Rainha do Céu.
No dia 26 de maio de 1432, o cruel marido, ou porque naquele dia ainda se deixasse levar mais pela brutal paixão da ira, ou por instigação de maus companheiros, agrediu a mulher mais brutalmente do que em geral o fazia, não se compadecendo dela nem mesmo depois de vê-la ferida, ao contrário, juntando crueldade a crueldade, ordenou-lhe que fosse sozinha cortar o feno, acrescentando à desumana ordem as mais duras ameaças.
Giannetta não se revolta: pega na foice e obedece confiando em Deus, que vê as aflições dos atribulados, e no patrocínio daquela a quem invocamos como o poderoso auxílio dos cristãos. Chegando ao campo agreste chamado Mazzolengo, distante cerca de uma légua de Caravaggio, na estrada que conduz a Misano, pôs-se a pobrezinha ao trabalho, que durou várias horas, entremeado de frequentes invocações à Virgem Santíssima.
Quando o dia já declinava, olhando Giannetta para o feno ceifado, viu claramente que não tinha a força necessária para levá-lo para casa em uma só caminhada, e, pela distância em que estava, não havia tempo para fazer duas viagens. Desolada e torturada com a lembrança do cruel marido, não sabe o que fazer, por mais que procure imaginar um meio de livrar-se daquele apuro. Volta então os olhos lacrimosos para o céu e exclama: “Oh, Senhora caríssima, ajudai-me: só de vós espera socorro a vossa pobre serva!...”
Ia continuar a confiante súplica, quando de repente lhe aparece uma senhora de aspecto nobre e venerando, de porte majestoso e belo e gracioso semblante, tendo nos ombros um manto azul, e a cabeça coberta com um véu branco.
“Oh, Senhora minha santíssima!” exclama Giannetta no auge da admiração...
“Sim, eu sou tua Senhora”, replica Maria, “mas não temas, filha: tuas preces foram, por minha intercessão, ouvidas por meu divino Filho, e já te estão preparados os tesouros do céu. Ajoelha-te, pois, e escuta reverente.”
“Oh, Senhora”, diz a humilde e simples Giannetta (que ou não imaginava ter diante de si a Mãe de Deus, ou então estava obcecada pelo pensamento do demônio que a esperava em casa), “eu não tenho tempo a perder: os meus jumentos estão esperando este feno”.
Mas a Virgem Santíssima, tocando-lhe suavemente nos ombros, fê-la ajoelhar-se e assim lhe falou: “Ouve atentamente, filha: o mundo, com suas iniquidades, havia excitado a cólera do céu. O meu divino Filho queria punir severamente esses homens iníquos cobertos de pecados, mas eu intercedi pelos míseros pecadores com insistentes súplicas, e finalmente Deus se aplacou. Vai, portanto, comunicar a todos que, por causa desse assinalado benefício de meu divino Filho, devem jejuar numa sexta-feira a pão e água, e, em minha honra, festejar o sábado desde a véspera. Eu reclamo isto como uma prova de gratidão dos homens pela singularíssima graça que para eles obtive. Vai, filha, e manifesta a todos a minha vontade”.
Admiração, amor, compunção enchiam a alma de Giannetta, que, depois de refletir um pouco, exclama: “Senhora, quem acreditará em minhas palavras?... Sou uma pobre e desconhecida criatura...”
E a Virgem bendita replica: “Levanta-te, minha filha, e não temas: refere corajosamente o que te comuniquei e ordenei, eu confirmarei com sinais evidentes as tuas palavras; e este lugar onde agora tu me vês se tornará célebre e famoso para toda cristandade”.
Ditas estas palavras, abençoa Giannetta com o sinal da cruz e desaparece, deixando no solo os vestígios de seus beatíssimos pés.
Giannetta ficou extática, fora de si, levantou os olhos como que para acompanhar a Virgem Maria e, prostrando-se em terra, beija e torna a beijar as santas pegadas. Depois, afasta-se contra a vontade daquele santo lugar e corre, voa para sua aldeia, e pelos caminhos por onde passa vai narrando a quem encontra tudo o que tinha visto e ouvido. Todos crêem em suas palavras, cumprindo-se assim a profecia da Santíssima Virgem, e correm, guiados por Giannetta, ao bem-aventurado lugar, admirando as santas pegadas impressas no solo verdejante, bem como a fonte que ali brotara milagrosamente.
Todos se empenhavam em louvar e agradecer a bondade divina, maravilhando-se sempre mais. Sua gratidão crescia, quando viam as curas operadas por meio da água da fonte milagrosa, ou as graças e prodígios alcançados de outra maneira, que se multiplicavam dia a dia. Como é natural, a fama de tantos prodígios voou com a rapidez do raio até as cidades vizinhas, e mesmo até as regiões mais longínquas, de modo que foi tal a afluência de pessoas que iam a Mazzolengo, para contemplar os santos vestígios dos pés de Maria, admirar a fonte sagrada e beber da água prodigiosa, que foi necessário constituir uma comissão que regulasse o acesso dos peregrinos. Basílica de Caravaggio.
Naquele tempo, de fato, a Itália passava por um dos seus vários períodos de guerras entre as regiões, que eram independentes umas das outras e ainda estavam longe de constituir a nação politicamente unificada que é a Itália contemporânea. Os venezianos, aliás, tinham acabado de conquistar a cidade de Caravaggio, tirando-a do controle dos milaneses. Giannetta conseguiu ser recebida pelo duque de Milão, Filippo Maria Visconti, e pelo mestre de Caravaggio, Marco Secco, para exortá-los a assinar um tratado de paz. Outro sinal da ação divina por intermédio de Nossa Senhora de Caravaggio foi a própria água da fonte, que curava doentes. Os efeitos da mensagem de paz logo apareceram. A paz aconteceu na pátria e na própria Igreja (veja Concílio de Basileia-Ferrara-Florença).
Divulgada por toda a Europa a notícia do milagroso acontecimento e das contínuas curas prodigiosas e outras graças concedidas por Maria no local da aparição, começaram a chover as ofertas, de modo que a autoridade diocesana constituiu uma comissão cuja incumbência era recolher donativos e aplicá-los na construção de uma igreja no lugar em que tinha aparecido Nossa Senhora.
A primeira pedra da igreja foi lançada pelo vigário de Caravaggio em 31 de julho do mesmo ano da aparição (1432), mas só foi acabada e consagrada dezenove anos depois.
Transcorrido um século, a igreja ameaçava ruir, pelo que foi preciso ser escorada. Depois, tornando-se pequena para o sempre crescente número de peregrinos, foi ampliada por iniciativa de São Carlos Borromeu. A construção do atual santuário, autorizada por São Carlos Borromeu, começou em 1575 sob a direção de Pellegrino Tibaldi e só terminou no século XVIII. Hoje basílica, o santuário é bastante visitado por peregrinos devotos de Maria sob a denominação Nossa Senhora de Caravaggio. A cidade fica na província italiana de Bérgamo.
Nota: No Brasil há dois santuários dedicados a Nossa Senhora de Caravaggio: um no estado de Santa Catarina, para onde a devoção a Nossa Senhora sob este título foi trazida por colonos italianos que se estabeleceram no vale de Azambuja (Brusque); outro no estado do Rio Grande do Sul, na localidade de Caravaggio, município de Farroupilha, diocese de Caxias, sendo este o maior santuário em homenagem à santa, construído na década de 1960. Uma das maiores heranças da festa de Caravaggio é a peregrinação ao santuário, principalmente no dia 26 de maio. Observa-se o caráter essencialmente religioso das caminhadas dos fiéis, marcada pelo sentido da fé e da gratidão.