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Já é possível manipular o cérebro de uma pessoa para mudar seu comportamento

11 Junho 2022

Era uma vez uma gangue de hamsters que viviam tranquilamente em sua jaula de laboratório. Eles comiam, passeavam, davam à luz, farejavam... e ocasionalmente os machos lutavam, mas nada sério. Então Elliott Albers, diretor do Centro de Neurociências Comportamentais da Universidade da Geórgia nos EUA, teve a ideia de tentar uma experiência com a tecnologia de corte molecular CRISPR-Cas9 usada para modificar as instruções genéticas. O que acontecerá se bloquearmos a ação de um receptor neuronal no cérebro (AVpr1) que é ativado pela vasopressina (um hormônio ligado às relações sociais)? O resultado foi que tanto as fêmeas quanto os machos começaram a interagir com mais intensidade... e com muito mais agressividade, segundo publicaram os autores na revista científica

Os hamsters e suas tristes aventuras de laboratório são importantes para nós, porque esses pequenos animais são frequentemente usados como modelo científico para experimentar drogas ou tratamentos, porque sua resposta nos permite antecipar de perto o que aconteceria com os indivíduos humanos. Em outras palavras, se for possível manipular as instruções genéticas dos roedores para torná-los mais ou menos agressivos, é muito provável que também seja possível fazê-lo em humanos. Não hoje, porque os cientistas ainda não dominaram totalmente a técnica, mas talvez amanhã.

 

Não há necessidade de mexer nos genes

O que sabemos com certeza é que já é possível agir sobre o cérebro de uma pessoa para influenciar em seu comportamento com as técnicas de estimulação neural. Aqui não se trata de mexer nos genes, mas de orquestrar certos circuitos neurais por meio de impulsos elétricos ou magnéticos. Estes induzem uma corrente no cérebro capaz de ativar ou inibir os sinais nervosos responsáveis pelo humor, dor, habilidades cognitivas, resistência física, problemas motores, etc.

Técnicas não invasivas como a estimulação magnética transcraniana (EMT) ou a estimulação transcraniana de corrente contínua (ETCC), e outras que requerem um implante com neurocirurgia, como a estimulação cerebral profunda (ECP), têm sido usadas há mais de uma década no tratamento de distúrbios mentais como o transtorno obsessivo-compulsivo, a esquizofrenia, o Parkinson, o Alzheimer, os vícios ou a depressão, para melhorar o humor, a capacidade de planejamento ou o autocontrole do paciente.

Mas a curiosidade científica é difícil de conter e várias experiências sugerem que estes truques podem ser usados além de seu contexto médico. "A capacidade de tomar boas decisões, prudência, flexibilidade de pensamento ou honestidade podem ser potencializadas (ou bloqueadas) pelo uso da estimulação cerebral. Os resultados atuais das pesquisas atuais não são conclusivos, mas acho que, no final, aprenderemos como promover estas qualidades da inteligência com tecnologia", diz o sociólogo James Hughes, professor na Universidade de Massachusetts e diretor do Instituto para a Ética das Tecnologias Emergentes, nos EUA.

 

Encorajando a honestidade e a imparcialidade

Sabemos, por exemplo, que a ativação excessiva do córtex pré-frontal dorsolateral (CPF) do cérebro (responsável pelo pensamento reflexivo e racional) tem um efeito sobre o autocontrole de uma pessoa. Isso também nos torna mais dispostos a compartilhar benefícios de forma justa e reduz as distorções cognitivas, diz ele. Por outro lado, inibir a ínsula e a amígdala faz com que diminua nossa tendência a sermos inflexíveis, a fazer julgamentos morais e racistas.

O tratamento poderia até mesmo servir "como substituto da prisão para criminosos violentos", sugere Hughes. Até agora, várias experiências têm mostrado que as pessoas que recebem uma corrente elétrica em uma determinada área do córtex pré-frontal medial ficam mais propensas a demonstrar gratidão. A mesma técnica foi utilizada em outros trabalhos liderados por Christian Ruff na Universidade de Zurique para ativar um ponto do lado direito do FPC dos voluntários enquanto eles tinham que tomar uma decisão pesando o interesse próprio contra a honestidade. O resultado foi que eles mentiram menos.

O Exército dos EUA não fica atrás e já testou o TDCS para aumentar a atenção de seus soldados e até mesmo para mantê-los alerta em um estado de privação de sono. Aqueles que receberam apenas um miliampere no lugar exato no cérebro mantiveram suas faculdades mentais melhor do que o grupo de controle e aqueles que tomavam cafeína.

 

Quem decide qual comportamento mudar? Combateremos pragas atuais como a ansiedade e a depressão desde dentro da cabeça?

Um mar de possibilidades, com grande potencial para ficar fora de controle. Combateremos pragas atuais como a ansiedade e a depressão desde dentro da cabeça? Ajudaremos a criar sociedades mais justas e bondosas? Ou nos tornaremos escravos de alguém que dita instruções a nossas mentes a partir de fora? Enquanto especialistas como Hughes defendem "descriminalizar o uso voluntário da neurotecnologia e estabelecer limites claros para regular sua aplicação involuntária", outros são mais céticos. Como Álvaro Pascual Leone, Professor de Neurologia da Universidade de Harvard e Diretor do Center for Non-Invasive Brain Stimulation, comenta, "há questões éticas muito difíceis de serem consideradas. Se existe um comportamento mais moral, mais socialmente adaptável, quem decide qual é? Mas que isto tem um correlato cerebral é certo, e que este correlato biológico pode ser modificado para mudar o comportamento já foi demonstrado.”

Fonte: https://www.publico.es/sociedad/posible-manipular-cerebro-persona-cambiar-comportamiento.html

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