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Nossa Senhora de Guadalupe (Espanha)

(Festa em 8 de setembro)

 

A imagem espanhola de Nossa Senhora, que mais tarde tomou o título de Guadalupe, foi enviada de Roma a Sevilha pelo sumo pontífice São Gregório Magno, tendo ido ao seu encontro o arcebispo São Leandro, que com ela entrou processionalmente em Sevilha, onde foi objeto de fervoroso culto pelo espaço de um século apenas, por ter sido interrompido pela invasão muçulmana.

Os cristãos de Sevilha foram os primeiros a fugir, mas levaram consigo todas as relíquias e imagens que puderam transportar, entre elas a da Santíssima Virgem que tinha sido enviada de Roma. Como, com tão grande impedimento – o peso das imagens – o êxodo daqueles pobres cristãos se fazia muito lentamente, com grave risco de serem alcançados pelos mouros, eles foram ocultando pelo caminho as relíquias e imagens nos lugares que julgavam mais apropriados para subtraí-las às profanações daqueles infiéis.

Os que levaram a imagem da Virgem procedente de Roma tomaram a direção de Extremadura, internando-se em uma aspérrima montanha, que mais tarde recebeu o nome de Guadalupe, palavra formada pelas palavras guad, que significa rio, por causa do que corre por suas cercanias, e lupe, lobos, por serem abundantes esses animais naquelas brenhas.

A fragosidade do terreno pareceu-lhes seguro refúgio para proteger a santa imagem de toda profanação. Porém, para maior segurança, procuraram entre os penhascos o lugar mais recôndito, onde com mais certeza de não ser encontrado pudessem ocultar o precioso tesouro de que eram portadores. Acharam, então, uma caverna bem apropriada por parecer uma capelinha, e aí colocaram com grande reverência a santa imagem.

Deixando na caverna uma relação minuciosa da procedência da imagem, do tempo e da forma em que foi levada para a Espanha, do culto que recebera em Sevilha e dos motivos que os levaram a ocultá-la, fecharam a capela com pedras, e tristes por causa do tesouro que abandonavam, desceram da montanha e prosseguiram na fuga para o norte, para escapar de seus perseguidores.

Cinco séculos depois, quando só o reino de Granada e alguns portos de mar ainda estavam em poder dos mouros, já o culto católico tinha recobrado seu esplendor em quase toda a península ibérica, e as imagens da Santíssima Virgem e dos santos que tinham sido escondidas pelos cristãos nos primeiros tempos da irrupção maometana já tinham sido colocadas em seus altares. Porém, faltava uma, justamente aquela que tinha sido o objeto predileto da devoção dos sevilhanos durante um século, e que tinha sido escondida pelos cristãos na montanha de Guadalupe. Não se sabe por que motivo os cristãos que a esconderam não transmitiram a seus descendentes o lugar onde a tinham depositado. O fato é que, em 1323, ninguém tinha notícias da existência daquela imagem, mas a Santíssima Virgem, que já havia operado prodígios para que fossem descobertas algumas de suas imagens escondidas pelos espanhóis por ocasião da invasão muçulmana, como a de Montserrat, a da Cabeça e outras, mais uma vez se dignou aparecer a um devoto seu, indicando o esconderijo de sua imagem, para que não continuasse privada de veneração e culto.

O guardador de gado, Gil Cordero, costumava levar seu rebanho a pastar nos arredores de Talavera, e uma tarde, tendo-se desgarrado uma das reses que guardava, correu atrás dela até que a perdeu de vista.

Desgostoso com aquela perda, o pastor levou para o estábulo as outras reses e voltou para o campo à procura da que se havia extraviado. Ao chegar a uma escarpada montanha, deu com o rastro do animal que buscava. Vencendo então as maiores dificuldades, chegou a certa altura, de onde avistou a vaca ferida e ensangüentada. Correu até ela o pastor, mas só teve tempo de vê-la morrer, o que lhe causou grande mágoa, por tratar-se de um animal de grande valor.

Nesse momento, ouviu perto de si uma voz dulcíssima, e, ao levantar os olhos que estavam fixos no animal morto, viu uma formosíssima senhora, que lhe deu a entender que era a Santíssima Virgem Maria.

Extático ficou o pastor à vista de tão excelsa Senhora, a qual lhe descobriu o lugar onde estava oculta a sua imagem e lhe declarou ser de sua vontade que ali mesmo se erigisse um santuário, que seria célebre no decorrer dos séculos por causa das maravilhas que nele operaria Deus por sua intercessão. Para demonstrar com um prodígio a verdade de sua aparição, a Santíssima Virgem ressuscitou o animal cuja morte o pastor chorava, e este, louco de alegria, pôs-se a correr montanha abaixo, só parando ao chegar ao povoado, onde narrou os prodígios de que havia sido testemunha.

Como acontece em casos semelhantes, foram mais numerosos os que duvidaram da palavra do pastor do que os que nela creram. Mas com tanta insistência e segurança ele afirmava a veracidade de sua narração que a autoridade eclesiástica viu-se na necessidade de intervir no assunto. Depois de várias provas, e guiadas pelo pastor, algumas pessoas dirigiram-se para o lugar indicado por ele, onde acharam não só a imagem, mas também a relação de sua origem e as circunstâncias que obrigaram os católicos a escondê-la cinco séculos antes.

Não é possível descrever o júbilo que causou aos fiéis dos arredores o achado da santa imagem, nem a admiração com que ouviram a leitura do manuscrito histórico, no qual se contava que aquela imagem de remota antiguidade havia sido venerada em Roma, livrando os romanos da peste. Contavam-se também as circunstâncias em que tinha ido para a Espanha, seus prodígios e a veneração de que havia sido objeto em Sevilha. Depois de se ajoelharem e rezarem diante da imagem, pensaram nos meios de dar cumprimento à  vontade da Santíssima Virgem.

Quando alguns dos que tinham ido com o pastor manifestaram a idéia de transladar a imagem para Cáceres, opôs-se a isso o pastor, declarando que, se tal se fizesse, seria desacatada a Rainha dos Céus, que havia manifestado claramente sua vontade: ficar naquele lugar, em um templo dedicado à sua honra.

Os eclesiásticos que faziam parte da piedosa expedição renderam-se às razões do pastor, e do melhor modo que puderam levantaram um altar ali mesmo na caverna, no qual colocaram a imagem, ficando algumas pessoas velando por turnos, naquele improvisado santuário, enquanto se tratava de fazer uma capelinha provisória.

Alegrou-se sobremaneira o rei Dom Afonso XI quando soube da prodigiosa descoberta de tão preciosa imagem, e grande foi seu zelo para que fosse venerada Nossa Senhora de Guadalupe. E não foi menor a recompensa que obteve por sua piedade, pois a ela deveu o assinalado triunfo que conseguiu sobre os mouros na famosa batalha de Salado na qual desbaratou os que tinham ido da África em auxílio dos da Espanha.

Terminado, o santuário de Nossa Senhora de Guadalupe foi entregue a doze capelães seculares até o reinado de Dom João I, época em que foi entregue aos religiosos de São Jerônimo, que começavam a florescer na Espanha com grande fama de santidade.

Graças a seu zelo, foi sempre crescendo a prosperidade do santuário, cuja fama, de outro lado, aumentava dia a dia por causa dos milagres que se comprazia em operar a Santíssima Virgem Maria naquele lugar.

As peregrinações ao santuário têm sido contínuas desde o dia em que foi descoberta a santa imagem, que aparece em seu altar cheia de beleza e majestade. É de cor morena, como todas as imagens da Virgem cuja fabricação se atribui a Nicodemos e a São Lucas. É grave e perfeito o rosto, que produz tão grande veneração nos que a contemplam, que, mal fixam os olhos nela sentem em seu coração admiráveis afetos de submissão, amor e arrependimento de suas culpas.

Sustém com a mão esquerda o Menino Jesus, de extrema beleza e perfeição, e na direita empunha um cetro de ouro ornado de pedras preciosas. É tão grande a variedade e riqueza de seus atavios (vestidos e enfeites) que podem ser mudados continuamente, sem que ninguém consiga vê-los todos. Mas não é de admirar, porque contribuíram para o adorno da imagem reis, príncipes e outros grandes homens e povos inteiros, e assim é natural que seja tão rico e tão variado o seu tesouro de jóias e outros adornos.

A imagem de Nossa Senhora de Guadalupe é descida de seu trono na véspera do dia 8 de setembro, para ser levada processionalmente nesse dia pelo claustro do mosteiro anexo ao santuário.

Fora desse dia, ninguém jamais se aproxima da veneranda imagem, a não ser o religioso encarregado de cuidar dela e vesti-la, para o que há uma escada particular, interna, por onde apenas ele sobe.

O feliz pastor Gil, mal começaram a construção do santuário, transportou-se com sua família para o local das obras, para que nada faltasse ao culto de Nossa Senhora, tendo continuado nessa ocupação até o fim de sua vida, pelo que lhe deram o nome de Gil de Santa Maria de Guadalupe.   


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Sábado, 23 de Novembro de 2024










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