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14 de Setembro – Exaltação à Santa Cruz
A exaltação da Santa Cruz, em nós e fora de nós
Por Plinio Corrêa de Oliveira
“Se alguém quer vir após Mim, tome sua Cruz e siga-Me”. Nestas palavras de Nosso Senhor estava, para Dr. Plinio, a chave da felicidade humana. Só quem amorosamente aceita as cruzes que Deus lhe envia, encontra paz de espírito. Tema apropriado para este mês em que se comemora a exaltação da Cruz por excelência, a de Cristo.
A exaltação da Santíssima Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo é uma das mais belas festas da Igreja, como título e como significado.
Consideremos, antes de tudo, o que a palavra exaltação traz consigo.
Segundo a linguagem comum, impregnada de pieguice, o indivíduo exaltado é aquele que facilmente se irrita, derramando sua bílis sobre os outros. A verdadeira exaltação, porém, nada tem a ver com o mau gênio. Do latim exaltere, significa tornar-se alto, elevar-se, subir.
A exaltação da Santa Cruz de Nosso Senhor é, portanto, a festa pela qual a Igreja recorda e proclama aos olhos do mundo que ela ergue o símbolo da Redenção acima de todas as coisas, colocando-o na sua devida e suprema altura.
O auge das humilhações sofridas por Jesus
Este louvor se reveste de grandeza e de júbilo ainda maiores quando consideramos que a cruz, originalmente, era um instrumento de suplício usado em toda a Antiguidade, que representava a ignomínia e a vergonha para a pessoa que sofresse a pena da crucifixão.
Por isso, ao ser pregado na Cruz, Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu tremenda humilhação. Esta equivalia a dizer que Ele morria como um bandido, um ladrão, equiparado aos dois facínoras com os quais foi crucificado no alto do Gólgota.
Neste sentido, a Cruz representa o auge de todos os desprezos e escárnios que Jesus padeceu na sua vida pública, sobretudo nos trágicos dias da Paixão. Essas humilhações correspondiam ao desejo dos algozes de acrescentar aos tormentos físicos um martírio moral, ainda mais doloroso. Então, com a coroa de espinhos, a túnica de bobo, a cana à guisa de cetro, as bofetadas, etc., tinham a intenção de atormentar a Alma adorável de Nosso Senhor, e não apenas o seu Corpo santíssimo.
Mas, sendo verdade que a Cruz de Nosso Senhor foi o ápice de todas as humilhações sofridas por Ele, ela é também o começo de todos os desprezos que até o fim do mundo os católicos haveriam de suportar em nome do Filho de Deus. Porque a impiedade não se desarma nunca. Ela visa sempre menosprezar e abater a autêntica moral cristã. Raros, se não inexistentes, são os católicos que não tenham sido humilhados, de uma forma ou de outra, por causa de sua fidelidade a Jesus Cristo. O que constitui, aliás, uma bem-aventurança, pois significa ser perseguido por amor à justiça divina, contra a qual continuamente se erguem os ímpios.
Cumpre, porém, frisar que a Cruz de Cristo, e as cruzes que por Ele carregamos, são igualmente símbolos de nossa honra. Esta consiste em recebermos a humilhação com ufania, gabando-nos dela. Mais: com um espírito de desafio. Em face daqueles que nos injuriam, proclamamos com brio e júbilo ainda maiores o supremo símbolo de nossa Religião. O que corresponde inteiramente à ideia de exaltação: manifestar a glória da Cruz, com uma altaneria que esmague os ultrajes que os adversários procuram fazer a Cristo.
Vem a propósito recordar que essa ufania já fora ratificada nos primeiros séculos do Cristianismo quando, às vésperas da Batalha de Ponte Mílvia, o Imperador Constantino teve uma visão da Cruz, circundada pelas palavras: “In hoc signo vinces – Com este sinal vencerás!” Era um anúncio de que a Cruz se levantava no céu e iria ficar definitivamente no horizonte do mundo, humilhando por sua vez os maus.
Essa galhardia é o que falta ao católico piegas. Este, diante de qualquer humilhação, mostra uma cara preguiçosa, baba e foge. Enche de vergonha a causa que deveria proteger. Nossa Religião precisa ser defendida com espírito de luta e, portanto, se alguém injuria a Cruz em nossa presença, devemos redarguir com destemor e bravura. Não como quem resguarda a própria honra, mas como quem responde pela honra infinitamente mais preciosa de Nosso Senhor Jesus Cristo e, em união com a d’Ele, a da Santíssima Virgem.
No alto das torres e das coroas
Paralelamente, essa honra do Homem-Deus é também reivindicada pela Igreja. E, por causa disto, os católicos tomaram a Cruz como sinal de distinção, como símbolo de tudo quanto há de mais sagrado e santo. E o colocá-la no alto de todas as coisas foi uma preocupação constante da Civilização Cristã. Vieram então as manifestações características dos tempos de fé: a Cruz encimando as elevadas torres das igrejas e catedrais; a Cruz no topo das coroas de reis e imperadores, ou adornando os mais nobres galardões das famílias da primeira aristocracia, ou servindo de insígnia nas condecorações. E quando se queria significar a magna importância de um documento, iniciava-o com uma cruz.
Enfim, em tudo quanto o homem concebia de supremo, estava a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, trazendo consigo a ideia de que, entre todas as maravilhas por Ele operadas neste mundo, a mais admirável e a mais adorável era o ter sofrido e morrido naquele instrumento de vergonha. Trazendo consigo, ainda, o revide a essa humilhação, um revide cavalheiresco e sobrenatural – a exaltação da Santa Cruz!
A Cruz glorificada em nosso interior
Outro ensinamento encontramos ainda na Cruz.
Nosso Senhor Jesus Cristo é o Redentor do gênero humano. Ele tinha de redimi-lo aceitando a morte. Por isto suportou a agonia no Horto das Oliveiras e os flagelos da Paixão, caminhou até o alto do Calvário e Se deixou crucificar, a fim de cumprir a missão que O trouxe ao mundo.
A partir desse momento, a Cruz tornou-se a afirmação dos sofrimentos, dos tormentos e das dificuldades que o homem aceita para realizar os desígnios de Deus sobre ele na terra. Então enfrenta tudo, a exemplo de Nosso Senhor, para seguir a superior vontade divina. Tal é a lição que nos dá a Cruz: abraçar a dor, o sacrifício, o holocausto, num ato de fidelidade do homem à sua própria vocação.
Fidelidade esta que implica não só na luta de uma vida inteira para que a Religião Católica vença e a Cruz de Nosso Senhor seja elevada sobre todas as coisas, como também na vitória em nossos combates interiores. Com efeito, continuamente travamos uma batalha dentro de nossas almas, na qual se opõem virtudes e pecados. Este antagonismo redunda num atrito e numa fricção interna que, em determinados momentos, chega a ser pungente. Pois bem, esta luta, é preciso que a olhemos de frente, e que tenhamos sempre a iniciativa audaciosa de derrotar o pecado. Esta batalha é, de certo modo, a glorificação da Cruz de Nosso Senhor dentro de nós.
A verdadeira alegria está na Cruz
Essa consideração encerra um importante corolário.
Desde os primórdios do Cristianismo, os homens se batizaram à sombra da Cruz, casaram-se sob a proteção dela, a colocaram no melhor lugar de seus lares e, chegados ao derradeiro instante de suas vidas, morreram olhando para ela. Quer dizer, a Cruz tem marcado toda a existência do católico. É mais uma expressão da ideia fundamental de que o cotidiano terreno foi feito para o sofrimento e para o heroísmo. E quem fala em heroísmo, fala em Cruz.
A verdadeira alegria da vida não consiste em desfrutar prazeres grandes ou pequenos, em ter fartura no comer e no beber, nem qualquer outra espécie de conforto. A autêntica satisfação da vida é aquela sensação de limpeza de alma que possuímos quando fitamos de frente a nossa cruz e dizemos “sim” a ela. Desse modo, agimos como Nosso Senhor Jesus Cristo que, sem esperar a chegada do sofrimento, previu-o e Se dirigiu ao lugar onde haveria de encontrá-lo. Ele Se entregou porque quis e, com passo valoroso, carregou sua Cruz até o cimo da montanha onde seria imolado.
Portanto, evitemos a ilusão das alegrias efêmeras, e muitas vezes falsas, que nos prometem as diversões mundanas, as vaidades e os êxitos temporais, porque não constituem a verdadeira essência de nossa existência. “Militia est vita hominis super terram – A vida do homem é um constante combate” (Jó 7, 1), dizia o santo Jó. Como afirmamos, a essência da vida é uma luta dentro e fora de nós, aceitando o sofrimento de frente e fazendo dele a nossa alegria. Isto é verdadeiramente a exaltação da Cruz em nós.
Não há católico sincero que não seja um ardoroso amigo da Cruz e que, confiante na misericordiosa assistência de Maria Santíssima, não compreenda e se alegre em saber que as dificuldades e penas ocupam parte saliente no seu peregrinar por esta terra de exílio. É conhecendo e aceitando essa condição de batalhador – contra seus próprios defeitos, assim como contra a impiedade –, é unindo-se aos méritos infinitamente preciosos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, que ele abrirá para si as portas da eterna bem-aventurança.
Imitemos Aquela que mais amou a Cruz
Tudo o que acabamos de considerar constitui o espírito de cruz, pelo qual concebemos crucificadamente todas as coisas, pelo qual batalhamos e vencemos, pois os grandes guerreiros da vida foram os que se revestiram desse espírito, desse amor à Cruz, dessa naturalidade no sofrimento, que caracteriza o genuíno filho da Santa Igreja e seguidor de Cristo.
Para adquirirmos esse espírito, nada melhor poderíamos fazer do que suplicá-lo a Nossa Senhora, pedir-Lhe que nos conceda o amor que Ela mesma teve à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Podemos imaginar, sem ferir os ensinamentos da ortodoxia católica, que – passados os tormentosos dias da Paixão, vividas as alegrias da Ressurreição e após a gloriosa partida de Jesus deste mundo – duas grandes felicidades restaram a Nossa Senhora na terra: uma, a da presença de seu Divino Filho na Eucaristia; outra, a meditação da Cruz. Que pensamentos, que cogitações e preces fazia a Corredentora nas suas horas de solidão e recolhimento, recordando o patíbulo em que Se imolou o Cordeiro de Deus?! Quanto Ela reverenciou aquela Cruz! Quanto Ela a honrou! E que meditações sublimíssimas Ela fez aos pés do Madeiro, no próprio instante em que nele morria o Salvador! E a que alto grau, inimaginável, elevou-se n’Ela o espírito de sofrimento – o espírito de cruz –, tornando-se para nós um luminoso exemplo de alma crucificada!
Então, devemos pedir a Maria, em nome dessas meditações solitárias d’Ela diante da Cruz, nas quais talvez Ela teve em vista a cada um de nós, esse mesmo espírito de cruz. Que nos incuta esse respeito, essa admiração e esse entusiasmo pelo verdadeiro sofrimento e, mais ainda, esse desejo heroico de sofrer, que é o característico do verdadeiro católico. Numa palavra, roguemos a Ela a graça dessa contínua exaltação da Santa Cruz em nós, para a exaltarmos continuamente fora de nós.
Extraído, com pequenas adaptações, da revista “Dr. Plinio”. Ano III. N.30 (Set., 2000); p.16-20