‹ voltar



JUNHO - MÊS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS - EXERCÍCIOS DIÁRIOS - Parte 2

 

JUNHO - MÊS DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

 

CONSAGRAÇÃO AO CORAÇÃO DE JESUS

Sim, Jesus, eu vos prometo recitar, to­dos os dias, uma oração ao vosso Sagrado Coração; prometo-vos venerar as piedosas imagens que o representarem à minha devo­ção; prometo-vos espalhar o conhecimento desta devoção e propagá-la. Sede a minha fortaleza, a minha ale­gria, a minha felicidade!

“Farei um ato de consagração ao Coração de Jesus”.

Ao Coração adorável de Jesus dou e consagro o meu corpo e a minha alma, a mi­nha vida, os meus pensamentos, palavras, ações, dores e sofrimentos. Não me torna­rei a servir de parte alguma do meu ser, que não seja para o amar, honrar e glorificar. Tomo-vos, pois, ó divino Coração, por objeto do meu amor, protetor da minha vida, âncora da minha salvação, remédio das minhas inconstâncias, reparador dos meus defeitos, e seguro asilo na hora da morte. Ó Coração cheio de bondade, sede a minha justificação para com Deus, e apartai de mim a sua justa cólera. Ponho em vós toda a minha confiança, porquanto receio tudo de minha fraqueza, como tudo espero de vossa bondade. Ani­quilai em mim tudo o que vos possa desa­gradar e resistir; imprimi-vos em meu coração, como um selo sagrado, para que jamais me possa esquecer de vós, e de vós ser se­parado. Isto vos peço por vossa infinita bon­dade: que o meu nome se inscreva em vós, que sois o livro da vida, e que façais de mim uma vítima consagrada inteiramente à vossa glória; que desde este momento seja eu abrasado e um dia inteiramente consumido pelas chamas do vosso amor; nisto consiste a minha dita, não tendo outra ambição se­não a de morrer em vós e por vós. Assim seja.

DIA 1

O amor ao Sagrado Coração, pode dizer-se, nasceu com a Igreja, e quem primeiro o praticou e ensinou, entre os homens, foi S. João Evangelista. Por isso, com razão chamou-o Sta. Gertrudes “o porteiro do Coração de Jesus”. Na verdade, para lhe as­segurar esse título, basta o seguinte: na úl­tima Ceia pascal, era ele quem reclinava a cabeça no seio do Divino Mestre, e das mãos deste veio às suas antes de passar às dos ou­tros, o cálice eucarístico; a ele coube no Gólgota receber o legado inefável que o Salva­dor fez de sua divina Mãe, que foi como que o do próprio Coração; e, na hora em que, morto Jesus, o soldado Longuinho rasgou-lhe com a lança o Lado Sacratíssimo fa­zendo correr dela a água e o sangue que re­presentavam os mananciais dos sacramentos da Igreja, foi ainda o discípulo predileto quem o presenciou para atestá-lo. De sua pena inspirada saiu o mais profundo e subli­me dos Evangelhos, esse em que a um tempo se entrevê a Jesus em suas grandezas inescrutáveis do Verbo Eterno e se o acom­panha nas mais íntimas e mais admiráveis manifestações de Deus Humanado: e além desse Evangelho, que S. Jerônimo disse proceder da união do coração do homem com o Coração de Deus, e no qual é histo­riado o amoroso advento do Salvador, traçou também S. João o livro das visões de Patmos que anuncia a vinda final e triunfante do Juiz dos vivos e dos mortos a coroar de eterna glória aqueles que o seguiram. Pode­ria o Mestre Divino distinguir e favorecer melhor o Apóstolo amado? E o influxo de tão preciosas bênçãos se fez sentir poderoso. A perseguição dos Césares ao nome cris­tão atingiu o santo Apóstolo, mergulhando-o numa caldeira de óleo a ferver; e ele saiu ileso, e como que refrigerado e fortalecido, confessando intrépido a fé que professava. As chamas de zelo e de bondade que trans­bordavam do Coração do Mestre comunica­ram-se ao coração do Discípulo, e foram nele um contínuo e fervoroso cuidar da sal­vação das almas, que até a cruéis chefes de bandidos, com instruções, súplicas e lágrimas, convertia em mansas ovelhas de Jesus; e, chegando à avançada idade em que para ir ao templo o carregavam nos braços, quando já não tinha forças para proferir discursos, contentava-se de clamar, repetidas vezes, em ardentes transportes de caridade : “Filhinhos, amai-vos uns aos outros”.

DIA 2

S. Francisco de Assis, o cavaleiro ele­gante que mesmo nos folguedos de sua mocidade nunca se maculou e teve sempre sua bolsa desatada para o socorro dos pobres, depois que de todo se converteu, não foi simplesmente, como ele anunciava aos ban­didos que o assaltaram na estrada, “o arauto do Grande Rei”, nem tão somente o amoroso trovador que convidava toda a natu­reza a acompanhá-lo em seus hinos ao Cria­dor; ele foi uma cópia viva do Coração de Jesus. “Num dia de São Francisco refere Sta. Margarida Maria — Nosso Senhor me fez ver este grande Santo revestido de uma luz e esplendor incompreensíveis, elevado a um grau eminente de glória acima dos ou­tros Santos, por causa da conformidade que teve com a vida de sofrimento do Nosso Di­vino Salvador e o amor que dedicara à sua santa Paixão, pelo qual se levará a imprimir nele suas santas chagas: isso o fizera um dos maiores favoritos do Sagrado Coração, que lhe deu grande poder para alcançar a aplicação eficaz do seu precioso Sangue, constituindo-o como que um distribuidor desse tesouro para apaziguar a divina jus­tiça… Ele é como que uma imagem sua, unida à de seu Filho crucificado… Em seu favor, o rigor da justiça abranda e cede lugar a clemência da misericórdia, particularmente em socorro dos Religiosos que declinaram da sua regularidade. Depois de me ter feito ver estas coisas, o Divino Esposo de minha alma deu-mo por condutor, para me guiar nas penas de sofrimentos que me sobrevieram”. Eis porque o Seráfico Patriarca é tão glorificado: por seus traços de semelhança com o Salvador. Fr. Bartolomeu de Pisa escre­veu um precioso livro sobre as “Conformidades da vida do bem-aventurado Francisco com a de Jesus Cristo”. Os escritores ascé­ticos, todos eles as têm assinalado, e muitas delas são notórias e como que palpáveis. Jesus nasceu à meia-noite sobre as palhas de um estábulo, e Francisco também veio ao mundo num estábulo onde sua mãe, prolongando-se-lhe as dores do parto, recolheu-se a conselho de misterioso peregrino para dar a luz. Jesus renuncia ao lar para sair à pregação, podendo dizer nesses dias que não tem onde recline a cabeça: Francisco abraça, pelo Evangelho, a mais austera pobreza e a vai pregar, descalço, de grosseira túnica e rude cordão à cinta, esmolando o sustento. Como Jesus, ele cerca-se de doze discípulos, dos quais um o trai e se enforca. Como Jesus. Francisco passa quarenta dias num ermo sem se alimentar e ambos pregam de uma barca que de si própria se afasta da costa e fica imóvel. Uma vez, falando sobre sua Paixão, como Pedro soltasse exclamação a conjurá-la, o Cristo repreendeu-o severo como a um tentador; também Francisco, um dia, torturado de dores, porque um de seus irmãos estranhasse não lhe diminuir Deus o sofrimento, ele atirou-se do leito ao chão para que mais doesse o corpo e advertiu o companheiro que não fosse blasfemo. A se­melhança entre os dois foi tal, que até a in­crédulos e ímpios, como Renan, impressionou e se fez sentir e notar; porém o que mais os assemelhou e uniu foi a visão inefável do Alverne, em que as chagas de Cristo, os cravos que lhe transpassaram a Carne sacratíssima e o golpe da lança que lhe abriu o Lado, como que passaram realmente para o corpo do santo Patriarca, e ele se transfigurou num crucifixo vivo e ambulante, vivendo já, por assim dizer, e padecendo em Francisco o próprio Cristo, segundo a frase de S. Paulo.

DIA 3

“Vim trazer fogo à terra, e que hei de querer senão que lavre?” Estas palavras, que se leem no Evangelho, significam o fim para que o Filho de Deus se encarnou e o de­sejo que arde em seu Coração de que o fogo do amor divino e do zelo da salvação das almas inflame todo o mundo. Assim tam­bém as entendeu, tomando-se por luz e norma de sua vida Santa Teresa de Jesus, a quem, pela beleza e sublimidade de seus es­critos, na Igreja e no século se chama “a Doutora da vida mística”. Numa revelação deste sentir e da sua futura vocação. Teresa de Ávila, aos sete anos de idade, acompa­nhada de um irmão de onze anos, saiu furtivamente de casa, e a passos apressados ca­minhou para fora da cidade; na estrada en­contraram um tio que, surpreendido de vê-los sozinhos tão longe de sua morada, perguntou-lhes aonde iam, e a menina respondeu com toda a candura que iam para a África, a pregar aos mouros o Evangelho.

Reconduzidos chorosos ao lar, pen­saram os dois em se fazerem monges e cons­truir uma ermida no mais retirado canto de seu jardim, para o que foram conduzindo e assentando pedras, que, por um instante em equilíbrio, logo vinham abaixo, com grande pesar dos pequenos operários que desanima­ram de acabar a obra. Teresa, porém, não desistiu do seu intento de servir a Deus num claustro, e, na flor da mocidade, renunciando às grandezas e aos prazeres do mundo que sua condição e riqueza lhe ofereciam atra­entes, professou num convento de Carmelitas. Depois de uma luta dolorosa de longos anos com as saudades da família e o terror de não corresponder a vocação, Teresa um dia, após a Comunhão, teve de Deus o mandato de restabelecer em sua Ordem a primitiva observância da Regra, e já não houve obstá­culos e sacrifícios que a intimidassem no levar a cabo essa missão; o seu pensamento, a sua ambição foi só, desde logo, contentar plenamente o Coração de Jesus, trabalhar e sofrer por sua glória, amá-lo, mais e mais, por aqueles que o esquecem, expiar, a cada instante, pelos que o ofendem. As notícias dos sacrilégios que em países vizinhos co­metiam os huguenotes ou da corrupção de costumes em que longe viviam povos inteiros do Novo Mundo, a faziam recolher-se em pranto e entregar-se, por longo tempo, à oração, implorando a graça de se conver­terem todos eles, oferecendo-se fervorosa para “sofrer ou morrer” pela glória de Deus e salvação das almas. Nas grandes tribulações que a afligiam, o Salvador veio muitas vezes animá-la, mostrando-lhe suas chagas ou a caminhar carregando a cruz; tinha tam­bém, frequentemente, a visão de um anjo que trazia nas mãos um dardo de ouro com ponta de ferro e na sua extremidade uma chama, e que ele cravava através do seu co­ração, causando-lhe um misto de dor e de­lícia. Jesus assim a assemelhava consigo, e como que lhe dilatava o coração para mais amar e sofrer; e um dia, para a confortar na luta, lhe disse : “Espera um pouco, filha, e verás grandes coisas”. Viu-se depois o que era: Teresa fundou 32 mosteiros, que foram uma visível florescência de virtude e santificação que se estendeu pelo mundo. Ao termo dessa abençoada tarefa, a Santa ex­pirou num doce êxtase, e viu-se então uma pomba que parecia sair-lhe dos lábios entreabertos a voar para o céu. Conservava-se ainda no mosteiro das Carmelitas da Alba de Tormez o seu corpo, e em separado o co­ração que mostra a ferida feita pelo anjo, a qual o atravessa horizontalmente e divide quase por inteiro; esta relíquia exala sempre odor celeste, como o atesta o Pe. Marcel Bouix, que a tocou em 1849. A Igreja, além da festa própria a 15 de outubro, instituiu em 1726 a da Transverberação do Coração de Santa Teresa.

DIA 4

Iniciado por S. João Evangelista, o culto ao Sagrado Coração só muitos séculos depois teve a sua propaganda formal por espe­ciais revelações de Nosso Senhor, que decla­rou tê-lo reservado para o fim dos tempos como um poderoso meio de reacender a fé e despertar no mundo o fervor religioso. Como na execução de suas obras as mais grandiosas, também nesta escolheu Deus para seu instrumento uma fraca e pequena criatura: a humilde Religiosa Margarida Maria. Era nela tanta a inclinação e gosto pelas coisas do céu que, desde menina, para a demover de qualquer propósito, bastava dizer-lhe que isso ofenderia a Deus; e Deus, por sua vez, recompensava a sua dedicação precoce, favorecendo-a já com visões mara­vilhosas em que se lhe mostrou a carregar a cruz, para lhe dar a coragem de sofrer as contrariedades e provações do lar infortunado. Houve em sua mocidade momentos em que os prazeres do mundo a atraíram e tentou-a o pensamento de não os deixar; porém não tardava a reação, e Margarida como que em desagravo ocupava-se em ins­truir a multidões de meninos pobres, visitar as famílias necessitadas e tratar dos enfermos, chegando a beijar chagas, para vencer a natural repugnância que sentia ao olhá-las, ato de heroísmo com que mereceu que ao seu contato elas subitamente sarassem. Um dia, finalmente, cerrando os ouvidos às sú­plicas de sua mãe, a jovem decidiu abraçar a vida religiosa, e bateu às portas do con­vento de Paray: ia ataviada como para a mais brilhante festa do mundo, e não vestia assim por vaidade, mas pelo contentamento de se ir dedicar ao seu soberano Bem; pro­vava-o, dizendo, na hora de entrar, a seu irmão que a acompanhara: “Esteja certo de que não sairei mais daqui”. No claustro, a sua piedade e fervor causaram admiração desde os primeiros dias, e foram sempre crescendo. Quando se achava só traba­lhando, lendo ou escrevendo, fazia-o de joe­lhos como tomada de respeito diante de um ser invisível. Assim a surpreendiam as com­panheiras, comprazendo-se em contemplá-la absorta na oração, em que passava longas horas, noites inteiras, como arrebatada em êxtase, em sua cela e no coro, ao ponto de que o povo que frequentava o santuário, o percebeu e vinha observar pelas grades a “Santa” que se elevava aos céus quando orava. Com o próprio sangue escreveu um dia esta consagração total de si a Nosso Senhor: “Tudo em Deus, nada em mim ! Tudo para Deus, e nada para mim! Tudo por Deus, e nada por mim!” No meio destas tão vivas provas de fidelidade de sua serva, surpreen­deu-a o Senhor com as inefáveis revelações sobre o culto ao Sagrado Coração: a pri­meira vez, mostrando-lhe a imagem que de­veria representá-lo a amar sempre e infinita­mente aos homens, apesar de esquecido e ultrajado por eles; a segunda, imprimindo ao culto a forma de expiação pelos peca­dores, com as Comunhões das primeiras sextas- feiras do mês e a hora de adoração noturna; a terceira, recomendando a instituição de uma festa universal na Igreja em honra do Sagrado Coração, na sexta-feira imediata à oitava do Corpo de Deus. Confessando hu­mildemente a Santa quanto era insuficiente para tão grande tarefa, Jesus lhes respondeu que supria ao que lhe faltasse, e comunicou-lhe uma das chamas que abrasavam o seu Coração divino. Sucederam-se então graças extraordinárias, verdadeiramente prodigio­sas, que não deixaram dúvida sobre a origem divina de tais revelações; vieram logo auxiliar a fervorosa Visitandina santos sacer­dotes, como os Padres Colombiére e Croiset, de quem ela predisse que escreveria um livro sobre a insigne devoção, como em breve su­cedeu. A primeira imagem do Sagrado Co­ração, qual se lhe revelara, Margarida Maria gravou-a sobre seu peito, abrindo-a na carne a golpes de canivete; a segunda ela esboçou a traços de tinta, e colocou-a no altar do no­viciado de Paray, onde recebeu a veneração da comunidade na sexta-feira após a oitava de Corpus-Christi em 1685. Pela propagação desse culto, que tinha por fim, com a glória de Deus, a conversão dos pecadores, a Santa pediu ao Senhor a graça de sofrer a tal ponto que se tornasse uma viva imagem do Sagrado Coração, cingido da coroa de espinhos e tendo sobre si a cruz. Estas foram as armas com que pelejou e venceu, e o seu triunfo aí está patente e marcado com o selo das gran­des obras divinas, em dois fatos: a romaria incessante que de todo o mundo aflui ao pe­queno santuário em que viveu a humilde Re­ligiosa, e o incremento que tem hoje, em toda a Igreja, o culto de que ela foi a men­sageira.

DIA 5

Meu Divino Salvador, por vossa oni­potência e infinita misericórdia, fazei que eu me mude e transforme todo em vós. Que as minhas mãos sejam as mãos de Jesus, e mi­nha língua seja a língua de Jesus; que todos os meus sentidos e meu corpo sirvam só para vos glorificar; sobretudo transformai minha alma e todas as suas faculdades: que minha memória, minha inteligência, meu coração sejam a memória, a inteligência e o Coração de Jesus”. Costumava dirigir a Nosso Senhor esta oração o Bem-aventurado João Gabriel Perboyre. Piedoso desde a infância, já se fazia então notar pela bondade e zelo com que afastava do mal e exortava ao bem, quer a seus irmãozinhos no lar, quer aos pe­quenos companheiros com quem trabalhava no campo. A modéstia de seu proceder em qualquer parte e seu recolhimento fervoroso na igreja, mormente quando comungava, mereceram-lhe do povo o nome de santinho”. Crescendo nestes sentimentos, foi co­locado num estabelecimento eclesiástico: aí, ouvindo uma prédica fervorosa sobre o apostolado, dissera no fim aos colegas: “Eu quero ser missionário;” e, no concurso para a distribuição pública de prêmios, apresen­tou uma bela composição sobre este tema: “A cruz é o mais belo dos monumentos”. Em progressiva marcha de santificação, pro­fessou no instituto dos Padres da Missão e recebeu o sacerdócio; e como o exerceu, atestam-no bem muitos fatos. Uma vez o seu ajudante de Missa viu-o, no momento da consagração, suspenso do solo e em êx­tase. Feito diretor de um colégio em Saint-Flour, tinha inspirações que resolviam prestes graves dificuldades: um dia, ele chama a seu gabinete um aluno reincidente em séria falta e, depois de empregar sem êxito, a brandura e a severidade, lhe diz de repente, mostrando-lhe o Crucifixo, e vivamente sen­tido: “Meu amigo, que tristes momentos me fazeis passar aos pés de Jesus na Cruz!” e o culpado se comove com este dito, pede perdão e se corrige. Outras vezes, cai de joelhos ante o Crucifixo, e lhe oferece repa­ração em nome do delinquente; e este, co­nhecendo a sinceridade e a grandeza da­quela dor, rompe a chorar e sai arrependido e transformado. — O padre Girard, da Congregação, escreveu o seguinte: “Eu desejava muito conhecer um Santo antes de morrer. Vi o padre Perboyre em 1934, es­tudei-o; tudo nele me impressionou. Agora conheço um Santo, sei o que é um Santo vivo”. — Insistindo muitas vezes na sua sú­plica para ir trabalhar na China, o padre Perboyre afinal é atendido, e se estabelece na missão de Hou-pé. Nessa montanha existia no século XVIII uma “república dedicada ao Sagrado Coração”, que é assim des­crita em documentos autênticos: “Cada fa­mília tinha a imagem dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria em seu lar. À tarde, ao fim dos trabalhos do dia, acendiam círios, queimavam incenso e entoavam cân­ticos ante as imagens. A sexta-feira era con­sagrada ao Coração de Jesus, e o sábado ao Coração de Maria. Na capela, tocava a al­guns, antes do Sacrifício, lembrar ao povo a grandeza do mistério a celebrar-se; à eleva­ção da hóstia e do cálice, avisavam para se prostrarem e adorarem as chagas de Jesus e seu Coração presente no altar; e recitavam os atos preparatórios para a Comunhão e ação de graças. Outros deviam instruir os jovens e novos cristãos, a quem faziam cantar as lições de catecismo na hora do tra­balho para não as esquecerem, e visitavam os infiéis moradores nos arredores, semeando entre eles os germens da fé. Eles todos se ofereciam a Deus em expiação pela sua pátria paganizada, e velaram em que a sua co­munidade não se afastasse uma linha da santa lei em que vivia. Nesse regime viveram e prosperaram longo tempo “dez mil famílias”. O padre Perboyre restabeleceu no Hou-pé a colônia do Sagrado Coração em todo o seu edificante fervor. Mas, passados nessa aben­çoada paz cinco anos, um dia rebentou de fora a perseguição aos cristãos, e a casa em que se achava o padre Perboyre foi cercada. Seus dedicados companheiros quiseram re­pelir à força os assaltantes, mas ele o obstou, imitando o Salvador no Jardim das Oliveiras quando mandou que Pedro guardasse a es­pada. Os esbirros de um mandarim odiento levaram-no para uma aldeia distante, e após um ano de cruéis torturas a que resistiu impávido, confessando a fé, o puseram numa cruz e aí foi estrangulado. Como a Jesus um discípulo traidor, ao padre Perboyre um neófito por trinta moedas denuncia o lugar em que o encontrariam, e é supliciado também entre facinorosos, numa sexta-feira às 3 horas. No dia imediato ao de seu enterro aparecia sobre esta, fazendo-se ver ao redor e até longe, uma grande cruz luminosa.

DIA 6

Leão Rarpey d’Aurevilly, irmão do ilustre escritor francês de igual nome, na flor de sua mocidade conquistara já um nome brilhante no foro e nas letras, e dera à es­tampa volumes de versos que tiveram os aplausos de Mistral e outras sumidades da poesia; mas todas essas glórias não o pude­ram prender no mundo e um dia sentiu fortes impulsos de o deixar e ir servir a Deus. Para bem se esclarecer nesse passo e vencer todo o respeito humano que o tentasse, empre­endeu uma peregrinação de cabeça desco­berta e pés descalços, de Caen ao santuário de Nossa Senhora do Livramento, distante 20 quilômetros. Aí, após um retiro espiritual, decidiu-se a abraçar o sacerdócio. Foi dele que o Pe. Dubois, autor do livro “Prática do zelo eclesiástico”, escreveu em seu “Guia do seminarista piedoso”: “Conhecemos um jo­vem que entrou para o Seminário sem se deixar prender pela consideração do bri­lhante futuro que o mundo lhe prometia. Quando pôs o pé em seu humilde cubículo, tão diferente de sua alcova do século, abriu a janela, olhou o céu e, ajoelhando-se, exclamou: “Como sou feliz, Senhor! Sede bendito! Dois meses depois, seu irmão acadêmico visitava-o, e escrevia em seu “jornal”: “Cheguei hoje a Coutances para ver meu irmão… Achei-o de boa saúde e feliz, feliz acima de toda a expressão, “reno­vado” em todos os pontos. — Durará isto? As dúvidas ou receios de Júlio de Aurevilly nunca se confirmaram; seu irmão foi um se­minarista exemplar e depois um sacerdote zeloso. “Amar a Deus e orar, para amar cada vez mais”: era a sua divisa. Ele amava ardentemente as almas, porque as via no Coração do Divino Mestre e partilhava os sentimentos do Salvador segundo a reco­mendação do Apóstolo: “Senti em vós aquilo que sente Jesus Cristo”. “Nosso Se­nhor, dizia ele, é o amante, o Salvador, o santificador das almas. Qual foi seu pensa­mento único, a razão de sua encarnação e de seus mistérios, senão a glorificação de seu Pai pela salvação das almas? Ora, todo o sacerdote é um coadjutor de Cristo; deve, portanto, ser um salvador das almas. Deve participar desse duplo amor do Sagrado Co­ração: o amor do Santo dos Santos pelas almas santas e por tudo o que conduz à san­tidade; — o amor de Deus Salvador pelos pecadores, e por todas as obras de zelo próprias para ganhar suas almas e introduzi-las nos caminhos da salvação”. Deu-se com ar­dor à pregação, a princípio como auxiliar do Pe. Dubois, que o chamava “seu filho mais velho, seu bravo Timóteo”, e depois com o Pe. Le Goupils, conseguindo inúmeras e admiráveis conversões. Pela fama de sua eloquência apostólica o Arcebispo de Paris con­vidou-o para fazer as conferências de “Notre Dame”, porém Leão d’Aurevilly escusou-se, preferindo continuar como o orador popular das Missões, onde certamente converteria maior número de almas do que entre a cética sociedade parisiense. Desvanecidas todas as dúvidas que um dia tivera, dizia dele seu irmão em 1847: “Senti uma dessas emoções que fazem crer na imortalidade de nossa alma. Há nove anos não o via, não o vira desde que é padre. Achei-o mudado, oh! sim, mas também transfigurado. É a própria perfeição dos caminhos espirituais. Ouvi-o pregar sobre a “felicidade de quem se con­fessa…” Nem um sopro de preocupações literárias, mas solidez, ternura, autoridade, e aqui e acolá movimentos de uma fé tão sin­cera, que são de uma prodigiosa eloquência, eis de que fui testemunha. Ele é o “sacerdote” em tudo quanto de são exprime essa forte palavra”. Aos 8 anos de idade, quis fazer de si a Deus uma oblação mais completa, e en­trou para a Congregação dos Sagrados Co­rações, fundada pelo Pe. Eudes, observando nela, com a docilidade do mais perfeito no­viço, as exigências da Regra austera. Apesar de já enfraquecido pelos trabalhos de um longo ministério, ainda continuou a pregar cada ano uma estação quaresmal, quatro a cinco missões de algumas semanas, e dezenas de retiros paroquiais ou de comunidades re­ligiosas. No que mais se comprazia, porém, era nos retiros de primeira Comunhão: “Nosso Senhor, exclamava ele, não tinha tanta satisfação em prodigalizar a sua graça e a sua verdade aos pequenos israelitas dos campos?” No púlpito ou no confessionário, o seu conselho e exortação constantes eram estes: “Unamo-nos todos numa fervorosa comunhão de orações numa sociedade infla­mada de Comunhões cheias de fé, para re­parar os crimes dos pecadores que se endurecem no mal, quando deveria todo o mundo prostrar-se de joelhos, clamando: “Parce Domine, parce populo tuo”. Nesse labutar, o abateu um ataque de paralisia, ao melhorar do qual ofereceu pela Igreja, pela pátria e pela salvação das almas o sacrifício de sua vida intelectual, moral e física; um segundo ataque sobreveio mais tarde, e o extinguiu lentamente como um círio que ardesse até o fim no altar do Senhor.

DIA 7

É conhecido e abençoado em todo o mundo o nome de Fr. Damião Veuster, o apóstolo dos leprosos em Molokai. Um mi­nistro protestante, o Sr. Chapman, enviando-lhe para suas obras de beneficências um donativo de 25 mil libras esterlinas, dizia reconhecer nele o imitador verdadeiro do Bom Pastor que dá a vida pelo rebanho. Ao saber a sua morte, o herdeiro da coroa da In­glaterra abria com avultada quantia uma subscrição para se lhe erigir um monumento e formava um “comitê” para a fundação de um hospital de leproso em Londres com seu nome.

Quem ignora o que é a lepra? Pode dizer-se que é a agonia com suas angústias, a morte por antecipação, e a fazer cair, uma a uma, as pedras do mísero pardieiro do nosso corpo; a morte com seu aspecto mais repulsivo, com as legiões de vermes que se adiantam ao sepulcro, e se encarniçam ávidos sobre membros a que ainda anima um sopro da vida. O Pe. Damião, Religioso da Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, ouvindo o Vigário Apostó­lico de Havaí lastimar que não houvesse um sacerdote no leprosário de Molokai, ofe­receu-se e partiu. Contava ele então 33 anos; aí ficou até os 49, idade em que morreu. Relatando suas primeiras impressões, Pe. Damião escreveu: “Custei muito a ha­bituar-me a essa atmosfera, e um dia, à Missa, me senti tão sufocado que estive quase a sair para respirar fora; reteve-me a lembrança de Nosso Senhor, mandando abrir em sua presença o sepulcro de Lázaro. Agora entro sem dificuldade nos aposentos dos pobres leprosos”. A força para desempenhar o seu penoso ministério, ele a pediu e teve sem­pre do amantíssimo Coração de Jesus. Os que visitavam alguma vez Molokai, voltavam edificados: fazia-se a adoração perpétua na capela e os cristãos lá se achavam, todos os dias, uns após outros, a fazer a via-sacra, a dirigir invocações ao Sagrado Co­ração, a recitar o terço, a pedir o conforto e a se oferecerem como vítimas para reparar os ultrajes que Deus recebe de filhos ingratos aos quais foram prodigalizados os benefícios da civilização. O Pe. Damião convertia os protestantes e os pagãos, reconciliava os ini­migos, trazia a paz aos revoltados, identifi­cando-se tanto com os seus 800 filhos adotivos, que nas instruções e no trato usava sempre desta frase — “nós leprosos”. — Por seus esforços, o lugar veio a ter cabanas alvas e asseadas, um orfanato, escolas, duas capelas, e um hospital para os mais desam­parados; e seu exemplo atraiu mais tarde companheiros, e Religiosos que se consa­graram a auxiliá-lo. Certo dia, um dos lepro­sos, que era médico, lhe disse: “Padre, já estais afetado;” e ele respondeu: “Não me assusta o que dizeis; já o esperava”. E de­pois dizia a outros: “Estou contente, agora sou como vós leprosos; não quereria a saúde, se a troco dela tivesse de deixar a ilha e abandonar a tarefa que o Senhor me con­fiou”. Resistiu ao mal durante cinco anos, firme em seu posto, e quando soou a hora da morte, rompeu nesta exclamação: “Como Deus foi bom em conservar-me a vida até que eu tivesse dois Padres para me assis­tirem nos últimos momentos, e a alegria de saber que as boas Irmãs aí estão para so­correr os leprosos!” E expirou, louvando e agradecendo ao Senhor de o deixar morrer como Religioso dos Sagrados Corações.

DIA 8

Não houve em certa época em Paris nome mais abençoado e popular do que o de “Irmã Rosália”, a princípio simples pro­fessora e um pouco mais tarde superiora numa casa de Irmãs de Caridade situada num quarteirão da cidade em que a igno­rância, a miséria e os vícios mais domina­vam. Fazendo desde o primeiro dia o reco­nhecimento doloroso do campo em que de­veria agir, Irmã Rosália deu combate por mais de 50 anos, sem parar nem retroceder um instante, nunca desanimada nem vencida, repousando de um trabalho com outro e só abandonando o seu posto e suas armas no dia em que Deus, satisfeito de seus com­bates, lhe deu o descanso eterno. Reali­zando no meio de Paris as maravilhas das missões nas terras de infiéis, muitas vezes nas pobríssimas casas dessas ruas tortuosas e infectas ela conseguia encaminhar os pais ao batismo, à Comunhão, ao casamento, e ainda ensinava o catecismo aos pequenos e pre­parava para a morte um velho tio ou avô. Os pobres e os infelizes se tornaram como que o seu sangue, a sua família, e entraram a considerá-la sua mãe, levando-lhe, com toda a confiança, suas queixas, súplicas e se­gredos. Se uma oficina lhes recusava tra­balho ou um padeiro o pão, se um proprie­tário os despedia ou penhorava os poucos móveis, se um comissário os multava, se um filho desobedecia, era a Irmã Rosália que procuravam para que desse remédio; e ela se punha em movimento, e remediava de qual­quer modo. Os seus humildes clientes estavam certos de que lhe não bateriam à porta em vão; e ela, por sua vez, queria que eles a qualquer hora fossem recebidos. Um dia, estando com um forte acesso de febre, a Irmã porteira não deu entrada a um homem que lhe vinha falar, e este encolerizou-se, e gritou. Irmã Rosália, ouvindo o rumor, acudiu e informou-se, bondosamente, do que ele queria, para o satisfazer; quando retirou-se, repreendeu a porteira, e, como esta replicasse que o médico recomendara deixas­sem-na em completo sossego, retorquiu: “Deixemos o médico fazer o seu oficio e façamos nós o nosso”. Os jovens que preci­savam de auxílio para os estudos ou queriam um emprego, valiam-se de sua intervenção e eram bem sucedidos; quando colocados, e em condições prósperas, ela os invoca em favor de seus irmãos necessitados, e, pedindo a cada um aquilo que ele fazia melhor e lhe custava menos, tinha para a sua caridade co­laboradores inúmeros e preciosos. Ganhou assim entre todo o povo um prestígio sem igual, e que se manifestou em vários fatos. Quando, em 1832, o cólera invadiu Paris, e as multidões desvairadas investiam contra os médicos, acusando-os de importadores do flagelo, o dr. Royer-Collard foi atacado, mas a fúria da turba desarmou-se logo que ele gritou: “Eu sou um amigo da Irmã Ro­sália”. Nas revoluções a santa Irmã pode abrigar em sua casa a sacerdotes e bispos, e teve força para fazer desmanchar barricadas e restabelecer a ordem; em junho de 1848, salvou a vida a um oficial da guarda móvel ajoelhando-se ante os insurgentes enfurecidos e dizendo-lhes: “Há 50 anos que vos con­sagrei minha vida; por todo o bem que vos tenho feito, e a vossas mulheres e filhos, peço-vos a vida deste homem”. A estima em que a tinham manifestava-se por mil outros modos. Um dia, um velho trapeiro que le­vava má vida, manda-a chamar para lhe entregar alguns mil francos que juntara para a filha a qual aprendia na escola das Irmãs: “Isto é com o tabelião, responde ela, eu mandarei aqui um”. — “Não quero, só con­fio em vós”. — E ela teve de receber o dinheiro, conseguindo então dele que se con­fessasse. As virtudes com que Irmã Rosália pôde exercer tanto prestígio, dizem seus bió­grafos, ela as aprendeu do Sagrado Coração e deste as alcançou pela oração. Em menina, vira serem asilados em sua casa sacerdotes perseguidos pela revolução, lembrava-se de que num subterrâneo é que seu cura lhe ensinara o catecismo e lhe dera a primeira Comunhão. Desde esse tempo, considerando quanto é o homem ingrato com seu Criador e como, a despeito de tão ofendido, o Coração de Jesus se dilata para nos atrair a seu amor, Irmã Rosália votou-se a todos os trabalhos e sacrifícios pela conversão dos pecadores.

DIA 9

Julieta de Cobert, de uma nobre família da Vendéa, da qual nos dias da revolução francesa muitos membros subiram valorosamente ao cadafalso para não traírem sua fé e seu rei, foi um perfeito modelo de virtudes cristãs. Esposando, aos 22 anos, o marquês de Barol, entre as suas visitas e re­cepções de dever incluiu logo as dos pobres, indo procurá-los com a esmola nos mais mi­seráveis tugúrios e ensinando-lhes o caminho de seu palácio, para que se valessem dela nos vexames imprevistos. Um dia, ao atra­vessar a praça do Senado em Turim, quando passava o Sagrado Viático, desceu do carro e ajoelhou-se, ouvindo então um grito estri­dente: “Não é de Viático que preciso, é de sopa”. Olhou para o lado donde saía a voz, e viu as janelas gradeadas da Cadeia. Acom­panhada do criado, lá foi para dar algumas moedas ao preso que parecia sofrer fome, a fim de que ele não mais blasfemasse. O mísero, porém, era um ímpio, que já es­tava a rir e cantar com os companheiros; ao verem aquela dama jovem, de porte calmo e grave, calaram-se e receberam com respeito o que lhes deu. Quis ver também o cárcere das mulheres, e mais triste foi aí sua impressão. Havendo na cidade uma Confraria de Misericórdia, que tinha como um dos seus fins socorrer os presos, Julieta se inscreveu nela e, não contente de levar-lhes víveres, empreendeu regenerá-los, particularmente as mulheres, entre as quais se demorava, instruindo-as e exortando-as, participando às vezes de sua grosseira refeição para lhes ga­nhar mais a confiança, de modo tal que ope­rou uma admirável transformação no cárcere e conseguiu dos poderes públicos, além do apoio à sua empresa, a remoção da peni­tenciária para casa mais salubre e apropriada. Com o intuito de assegurar e ampliar o efeito deste seu trabalho regenerador, fundou também uma casa de refúgio e um con­vento de Madalenas, para as infelizes que voltavam à vida religiosa. “Que consolação, dizia ela, ver essas pobres purificarem-se do lodo e correrem como anjos que voltam para o céu!” Um dia, leu Julieta nos jornais que um pai desesperado pelos gemidos da filha, doente havia muito tempo, a suspendera do leito e lançara pela janela; foi o bastante para decidir-se a fundar um hospício para as crianças deformes e doentes, e depois um asilo para os meninos desvalidos, que ins­talou nas salas do seu próprio palácio. Em 1825, o cólera penetrou em Turim, e ainda ante essa pavorosa calamidade Julieta mostrou o heroísmo cristão. “O marido, narra o grande escritor católico Sílvio Pellico, veio uma vez ao posto de inspeção em que eu es­tava, e me disse consternado, que ela se ex­punha ao contágio, socorrendo, por suas mãos, os infelizes atacados. Logo que pude, saí a procurá-la, e a encontrei serena e in­cansável em sua tarefa, levando de casa em casa o conforto de sua palavra ou de medicina e sustento para combater o mal”. De­belado o flagelo, o governo conferia uma medalha de ouro à marquesa de Barol pelos serviços prestados. O seu prêmio, porém, ela queria de mais alto, e mais alto se inspi­rava para fazer o bem: esta sua ardente ca­ridade ela a aprendia e alimentava no Co­ração de Jesus, a quem dizia: “Eu não sou mais do que uma fraca criatura, mas pare­ce-me que vos amo com todas as minhas forças, e quero também que os outros vos conheçam e vos amem. Eu espero e posso tudo naquele que me fortalece”. Como o Coração do Divino Mestre, o da fiel serva se inclinava mais de pronto para os fracos, os padecentes e os desvalidos, porém, com isso não esqueceu o bem espiritual das classes ele­vadas, e lhes assegurou um esforço de sábias educadoras, fazendo virem da França as Damas do Sagrado Coração, a quem ofe­receu, para se estabelecerem, a sua esplên­dida quinta do Casino, perto da cidade. Quando a revolução no Piemonte perseguiu instituições católicas e baniu as Ordens re­ligiosas a marquesa de Barol, por ter dado abrigo durante 24 horas ao Pe. Pellico, irmão do poeta, foi acusada de ter em sua casa um batalhão de jesuítas que se exercitavam nas armas, e denunciaram-na de roubar as cri­anças à família e prendê-las em seus asilos. Os revolucionários apinhavam-se à porta do palácio e ameaçavam pôr-lhe fogo; os amigos da marquesa aconselhavam-na a fugir. “Aconteça o que acontecer, lhes res­pondia ela, não sairei de Turim; não posso levar comigo meus 500 filhos, e devo ficar para lhes servir de mãe até o fim. Cortar-me-ão a cabeça, direis vós: é um caminho como qualquer outro para ir ao céu; Deus, que deu à minha avó a coragem de morrer no patíbulo, não ma recusará. Fico em meu posto”. E impávida continuou a fazer o bem, sem diminuir em nada a sua tarefa. Quando a velhice e enfermidade a prostraram, nem assim deixou de por si mesma inspirar e di­rigir todas as suas obras, e dizia: “Paciência, é coisa bem indiferente o fazer a vontade de Deus horizontalmente no leito ou perpendi­cularmente de pé”. Acabou a vida, reclinando-se placidamente no Coração de Jesus com o santo pensamento de que fora a ele que visitara na pessoa dos presos, socorrera nos enfermos e amparara nos pobres.

DIA 10

Eu não posso ver um menino, dizia, ainda jovem, o Venerável Champagnat, que não me venha logo a vontade de lhe dar uma lição de catecismo e de lhe fazer co­nhecer quanto Jesus Cristo o amou e quanto deve amar o Divino Salvador. E realmente, passava algumas vezes horas inteiras a en­sinar a religião a pastorinhos que encontrava nos campos ou a meninos que lhe apa­reciam nas casas em que ia acudir a enfer­mos; e trabalhou por atrair auxiliares nessa tarefa, vindo a fundar para esse fim a Con­gregação dos Irmãos Maristas. A estreia do primeiro punhado de Irmãos foi muito feliz: havia nos mestres dedicação, bondade, zelo e saber, e entre os alunos gosto pelo estudo, emulação e disciplina, fazendo gosto ver a ordem e respeito que guardavam na escola ou nas ruas, quando em silêncio as atraves­savam. A obra progrediu tanto que, estabe­lecida a princípio na modesta casa do Padre em Lavalle, foi mister construir para sua ha­bitação o vasto edifício de Hermitage. “Não compreendo, dizia a Champagnat um amigo, o que pretendeis vós enchendo vossa casa de meninos indigentes e recebendo tantos pos­tulantes que nada vos dão: se não tiverdes um crédito sem limites sobre o tesouro do Estado, haveis de abrir falência”. — “Eu te­nho mais do que isso, respondeu o Padre sor­rindo, tenho o tesouro da Providência que fornece ao mundo inteiro sem nunca se es­gotar”. O Padre Champagnat era fervorosís­simo devoto do Sagrado Coração, ao qual pedia todas as graças de que precisava; quando encontrava uma alma dominada por maus hábitos, exortava-a a que recitasse as ladainhas do Sagrado Coração, acrescentan­do depois de cada invocação: “Eu me consagro a vós”. A seus Religiosos dizia: “Quanto mais se pede ao Senhor, mais se obtém”.

Pedir muito aos homens, é o meio de nada alcançar; mas com Deus, é precisamente o contrário. Davi, que conhecia o Coração de Deus, lhe dizia: “Vós perdoareis meu pe­cado, porque é muito grande e patenteará vossa grande bondade”. Assim, o que de ordinário desanima os homens, as grandes fal­tas ou grandes necessidades, eram para o santo o principal motivo de sua confiança. É que ele tinha de Deus uma alta ideia. Para concluir, digo: “Se quisermos agradar a Deus, peçamos muito, peçamos grandes coisas; quanto mais longo o requerimento, melhor ele o receberá”. Desde moço, compusera a seguinte ora­ção, que recitou até o último dia de vida: “Divino Coração de Jesus, que por vossa profunda humildade combatestes e vencestes o orgulho humano, é principalmente a vós que dirijo as minhas orações; dai-me, eu vos rogo, a humildade; destruí em mim o edifício do orgulho, não porque seja ele insuportável aos homens, mas porque vos de­sagrada e ofende a vossa santidade. — Santa Virgem, minha boa Mãe, pedi ao adorável Coração de Jesus a graça de que eu me conheça, me combata e me vença, e destrua o meu amor próprio e o meu orgulho; tomo aos vossos pés a resolução de lhe fazer uma guerra sem trégua”. Dizia dele o povo de Lavalle, que não era tão bom e tanto sabia arranjar bem as coisas, que se não podia deixar de fazer o que ele aconselhava e queria. Em 1840, no sexto dia do mês con­sagrado ao Coração de Jesus, morria em odor de santidade o Padre Champagnat, deixando já florescente o Instituto dos Maristas, com cerca de 400 membros e à frente de 48 es­colas na França. Hoje ele se acha propagado em vários países da Europa, África, Oceania, e América; vários Estados do Brasil o aco­lheram com grande proveito, e o governo francês que expulsara as Congregações reli­giosas, reconhecendo as vantagens de seus serviços nas colônias, autorizou-o a abrir no país o noviciado.

DIA 11

É uma Santa: dizia, aos 11 de Abril de 1903, o povo Camigliano de Toscana, junto ao leito mortuário de sua conterrânea Gema Galgani, cuja curta existência fora um assombro de virtude e uma comunicação quase contínua com o céu. Esta voz do povo, começaram logo a confirmá-la as graças ex­traordinárias que pela invocação do nome da jovem finada se foram alcançando, como entre outras, as curas instantâneas de Filomena Bini de Pisa, Maria Mencucci e Mariana Angelini, romanas, e Isolina Serafim, de Lucca; a preservação de um naufrágio iminente nas águas do Mediterrâneo a dois Padres Passionistas do México; um conside­rável socorro prestado em crise aflitiva a um convento de freiras camaldulenses em Roma; a rápida conversão de um incré­dulo e blasfemo, enfermo num hospital de Lucca; e em Roma as de uma mãe e dois filhos que desprezavam a religião. Um livro, de cerca de 400 páginas, estampado com a licença pontifícia, da lavra de um ilustre e zeloso sacerdote que foi o guia espiritual de Gema Galgani, relata a seu respeito coisas maravilhosas; e seu autor não hesita em compará-la a Teresa, Maria Madalena e Verônica Juliani, declarando que, como o Evangelista, narra o que viu, ouviu e tocou. Desde pequenina, Gema experimentava já as primeiras irradiações dessas luzes e mercês sobrenaturais que a inundariam em sua mocidade; sua mãe, chamando-a junto de si, ensinava-lhe pequenas orações, e, mostrando-lhe o Crucifixo, dizia: “Olha, este Jesus morreu na cruz por nós;” e lhe explicava com singeleza o mistério do amor de Deus, e como pode e deve o cristão correspon­der-lhe. Propensa às distrações como é por natureza, a criança de ordinário não se prende por muito tempo a oração e ao en­sino; Gema, porém, sentia prazer em ouvir essas instruções e, de vez em quando, agarrando-se às vestes de sua mãe, pedia “que lhe falasse mais um pouco de Jesus”; e, quando a boa senhora, prestes a morrer, lhe perguntou: — “Gema, se eu te pudesse levar para onde Deus me chama, quererias ir?” — “Aonde?” — “Ao paraíso com Jesus e com os anjos” — a menina concordou muito contente, e já não queria sair um instante do quarto, empenhada em que sua cara mãe a levasse. Ansiosa de fazer sua primeira Comunhão, o conseguiu aos nove anos de idade, na festa do Sagrado Coração em 1887, e, referindo-se a esse ato, escrevia: “Não sei exprimir o que se passou entre mim e Jesus nesse momento. Jesus se fez sentir muito à minha alma. Compreendi então quando as delícias do céu venceram as da terra; e senti-me presa do desejo de tornar contínua essa união com Deus”. E cada ano festejava de um modo particular esse dia, com edificantes manifestações de fervor que em suas cartas traduzia assim: “Passei um dia de paraíso; falei e chorei de amor com Jesus. — Disse-lhe: “O vosso Coração é o meu; aquilo que vos agrada, é o que me pode fazer feliz. — Jesus, eu quero fazer das minhas más inclinações um feixe, a fim de as consumirdes todas por uma vez com o fogo do vosso amor”. Dava aos pobres o dinheiro, a comida e até a roupa que tinha para seu uso, sendo preciso, às vezes, não a deixar em suas mãos.” Se vos não tornardes simples como estes meninos, diz Jesus Cristo no Evangelho, não tereis parte no reino dos céus”. Esse era o traço que caracte­rizava toda a vida cristã de Gema. Taxada de soberba, porque se esquivava a contar sem necessidade o que de extraordinário lhe sucedia, explicava: “Soberba, não. Eu me calo, porque não sei que dizer, e temo não me fazer entender bem”. Procurada para se interessar junto de Deus por diversas ne­cessidades e aflições de outros, resumia tudo assim: “Já pedi por aquele infeliz; agra­deci o bom êxito do negócio; agora não tratemos mais disso”. Incumbida de men­sagens de Nosso Senhor, as comunicava sem rodeios: “Jesus quer que a Sra. ampare esta obra santa; — Jesus manda dizer isto ao Sr. Padre; se eu esqueci alguma coisa. Ele mesmo lho dirá”. Quando se viu com os sinais dos estigmas, surpreendeu-se, pensou mesmo que o tivessem todas as pessoas que por votos se consagravam ao Senhor, e foi mostrá-los a sua tia, dizendo: “Olhe, tia, o que me fez Jesus”. Entretanto Gema tinha uma bela e clara inteligência; ganhara nos estudos os primeiros prêmios e medalhas de ouro; a prelados, sacerdotes, e pessoas doutas que a interrogaram sobre pontos de fé e assuntos místicos respondeu com um co­nhecimento e critério admiráveis, e uma vez argumentou vitoriosamente, arrancando aplausos dos circunstantes, e fez calar a um médico racionalista que a julgava fanática e censurava suas práticas e mortificações. As pessoas da família, os fâmulos da casa viam-na muitas vezes arrebatada em êxtase, e percebiam vultos luminosos em seu aposento, e ouviam vozes que lhe falavam de coisas celestes; um dia, encontraram-na suspensa do chão e com os lábios colocados na chaga de um crucificado que pendia no alto da sala, e assim ficou por muito tempo. Numa gravís­sima e longa enfermidade em que a medicina a desenganou e esteve agonizante, sa­rou um dia subitamente; e a explicação que deu foi esta: O venerável Gabriel da Addolorata desceu do céu, durante nove dias anteriores e fizera com ela uma novena ao Coração de Jesus pela sua cara. Outra vez a sua benfeitora, dona da casa em que habitava, enfermou com violentas cólicas in­testinais, e ela, compadecida, ofereceu-se a Deus para sofrer em seu lugar: a doente ficou livre do mal naquele mesmo instante, e Gema o suportou paciente por muitos meses. Pela conversão de um grande pecador propôs perder três anos de sua vida: e o fato é que, atestam várias testemunhas, o pe­cador se converteu e três anos depois ela morria. A miúdo, em seus últimos tempos, rompia em exclamações como esta: “Viva o Coração de meu Jesus. Vinde, vinde, pecadores, não temais, não penetra aqui dentro o gládio da justiça! Eu quisera, ó meu Jesus, que minha voz chegasse aos confins do mundo: chamaria todos os pecadores, e lhes diria que entrassem todos em vosso Coração”. Morreu em 1903 no sábado santo; dias antes tivera dulcíssimos êxtases que lhe fizeram dizer a uma Religiosa que lhe assistia: “Irmã, se pudesse ver uma pontinha do que Jesus agora me fez contemplar, como se sentiria feliz! A sexta-feira santa foi, toda ela, a sua agonia; aos que a cercavam parecia verem a imagem viva de um crucificado. No sábado, Jesus a conduzia triunfante.

DIA 12

A virtude precoce de um menino de doze anos é o quadro que hoje o culto do Sa­grado Coração dá a contemplar aos seus de­votos. Fruto de uma união abençoada, Paulo Bedin já aos quatro anos distinguia-se por qualidades e ações que mesmo em idade mais adiantada são admiráveis. Já sabia ler, e, tendo sido a História Sagrada o seu pri­meiro livro, contava-a aos outros com ani­mação, cheio de simpatia e interesse pelos que sofriam, como Abel e José vendido pe­los irmãos, e condenava revoltado os maus que os perseguiram. Na igreja edificava a to­dos a piedade e atenção reverente com que assistia às cerimônias, e em casa, se lhe acon­tecia alguma vez esquecer a oração da noite, levantava-se a qualquer hora e de joelhos supria a omissão cometida. Num olhar de sua mãe ele adivinhava a aprovação ou a censura, e lhe servia para logo de estímulo ou de freio ao que praticava. Entregando-se um dia por demais à leitura de um livro de viagens, a boa mãe ordenou-lhe que o dei­xasse, mas ele por exceção nessa hora, fe­chou-o lentamente, “filho, disse ela. pare­ce-me que esqueces o teu catecismo. Que coisa é obedecer?” Paulo respondeu: “É fa­zer prontamente e com alegria aquilo que se nos manda”. Um momento depois acres­centou: “Prontamente, eu compreendo; mas com alegria, é diferente”. Certo é que ele obedecia sempre alegre muitas vezes, e dominando-se quando contrariado. Em seus estudos secundários, no colégio de Mongré, o bom menino mostrou, mais firmes e acen­tuados, os mesmos sentimentos e disposições. “É o modelo do trabalhador”, dizia um dos seus mestres. Às vezes ao fim de uma tarefa mais pesada ou em prêmio de triunfos al­cançados na classe, dispensavam-no de exer­cícios impostos aos outros, mas ele preferia partilhá-los, pretextando que a ociosidade o fatigava mais. Era o escolhido para fazer companhia aos alunos recém-chegados, e para dar coragem aos desanimados ou acon­selhar os indóceis: de tudo se desempe­nhava com bondade. Um dia, no inverno, puseram-no de porteiro à sala de estudo, perto do fogão que o incomodava, mas di­zendo-lhe alguém que pedisse o dispensas­sem, respondeu: “Não, porque teria de vir para o lugar algum companheiro, que sofreria tanto quanto eu”. Fazia esforço para corrigir-se, até de pequenos defeitos como o de voltar-se para um e outro lado à hora do estudo: “Ó bom Jesus, escrevia ele, dai-me força de não me voltar mais: todos os sa­crifícios que puder hoje fazer para esse fim, eu vo-los ofereço”. Em seu livrinho de notas se encontram muitas como estas: “Sagrado Coração, eu vos ofereço todas as minhas orações. — Eu vos consagro, ó divino Co­ração, o tempo dos estudos. — Eu vos ofe­reço as minhas recreações. — Sagrado Co­ração de Jesus, concedei-me a força neces­sária para me corrigir, a fim de fazer bem minha primeira Comunhão”. Preparado assim com o maior cuidado, sua primeira Comu­nhão como as que lhe seguiram foi em tudo frutuosa e edificante. Por sua vez, Deus o recompensa: nas provas finais dos cursos e nas distribuições dos prêmios, ele colhia sempre copiosos louros, porém acanhado e modesto, ao ponto de, felicitado, confessar que não desejaria ser constantemente o pri­meiro e vexar-lhe o estar superior aos outros. Ou porque o desenvolvimento precoce do espírito lhe consumisse rápido as forças do corpo ou porque o fruto dessa curta vida tão pura valesse para colheita celeste e de longos anos cheios de boas obras, Paulo en­fermou gravemente, e a moléstia foi como um lento e doce voo para o céu; às visitas e cartas dos condiscípulos que faziam votos e preces para sua cura, respondia enviando-lhes finas imagens ou cabazes de frutas es­colhidas; aos mestres agradecia os cuidados e proteção que lhe haviam dispensado; re­comendava a sua mãe que bordasse dois frontais, um para a grande capela do colégio em que fizera sua primeira Comunhão, outro para a capela da Congregação; aos pais, a quem votava um amor extremoso, confor­tava, falando-lhes na felicidade do céu, onde iria rogar a Deus por eles. Chegada a hora de se lhe ministrarem os últimos sacramentos, dispôs ele mesmo a ornamentação do apo­sento, e fez colocar na parede, sobre o leito, as lembranças de sua primeira Comunhão; recebendo em seu peito a Jesus Sacramen­tado, expirou suavemente num sorriso ine­fável que lhe imprimiu às feições a serenidade e beleza de um anjo que houvesse des­cido à terra.

DIA 13

Sto. Antônio de Pádua, o grande Taumaturgo, invocado em todo o orbe católico, e particularmente na Itália, em Portugal e no Brasil, foi um amantíssimo panegirista do Sagrado Coração. Nos sermões que dele ainda se conservam, leem-se conceitos e in­dicações piedosas que o provam, como as seguintes: “A alma religiosa encontrará no Coração de Jesus um delicioso retiro, um asilo seguro contra todas as tentações do mundo… — Quando a alma religiosa ouvir a voz do sangue divino, que se dirija à fonte de onde ele deriva; ao mais íntimo do Coração de Jesus; ali encontrará a luz, a consolação, a paz, e delícias inefáveis… — A pomba edifica o seu ninho com as arestas que recolhe aqui e acolá. E nós com que construiremos nossa morada no Coração de Jesus? O Coração de Jesus é como que o princípio da vida sobrenatural, é como que o altar de ouro, onde, de noite e de dia, se evola até aos céus, um incenso odorífero, e perfumes suavíssimos embalsamam a terra… A meditação dos sofrimentos exteriores de Jesus Cristo é santa e meritória, sem dúvida; mas se queremos encontrar o melhor do ouro puro, preciso é ir ao altar interior, mesmo ao Coração de Jesus, e aí estudar as riquezas de seu amor”.

Uma visão da Venerável Joana Maria da Cruz veio como que atestar estes devotos sentimentos do glorioso Taumaturgo e re­velar a esplêndida renumeração que ele teve de Jesus. Assim a refere a Venerável: “Num dia de festa de Sto. Antônio, estando eu em oração, vi a alma deste Bem aventu­rado conduzida pelos Anjos aos pés de Cristo. Nosso Senhor abria amplamente a chaga de seu Coração, e este Coração, todo resplandecente de luz, atraía e como que absorvia a alma de Sto. Antônio, como a luz do sol excede e absorve qualquer outra cla­ridade. No Coração de Jesus a alma do Santo assemelhava-se-me a uma pedra preciosa, cujo brilho irradiava em redor. As múltiplas cambiantes deste brilho representavam-me as virtudes do Santo: cintilavam com um fulgor maravilhoso no oceano de luz do Co­ração de Jesus em honra deste e para glória do Bem aventurado. Jesus tomou depois esta pérola do seu Coração e a ofereceu ao Pai Celeste, que a fez admirar aos Anjos e aos Santos”.

DIA 14

O propagador principal do culto ao Sagrado Coração na Itália, foi o Pe. Xavier Calvi, e, como ele mesmo revelou, o foi por inspiração de S. Francisco Xavier, seu pa­trono, que, porventura para esse fim, duas vezes lhe salvou miraculosamente a vida: uma, de um naufrágio em sua viagem para Malta, e a outra em Roma, quando ele já agonizante, o Geral Pe. Ricci lhe ordenou que pedisse a cura ao Santo, a quem se fazia nessa intenção uma novena porque ele era então precioso para o serviço da Igreja. Desde noviço, Xavier Calvi distinguiu-se pelo recolhimento e gosto da oração e inteira obediência; recitava o Ofício Divino de joelhos, e quase sempre diante do SS. Sa­cramento; visitava os presos instruindo-os na fé e exortando-os à virtude; mortificava-se à mesa e na dormida, tomando para leito o duro chão. Em Malta começou por estampar e distribuir um opúsculo sobre o culto do Sagrado Coração, e instituiu na casa religiosa que habitava, a adoração do SS. Sacramento na dita festa, no último dia do ano e nos do carnaval, assim como a ce­rimônia das três horas da Agonia na sexta-feira santa, pregando nesses atos com um fervor que operava conversões. Chamado dentro de pouco tempo a Roma, onde ao fim do primeiro mês de estada caiu grave­mente enfermo, vindo a restabelecer-se por intervenção de S. Francisco Xavier, empe­nhou-se cada vez mais em propagar o culto do Coração de Jesus, sugerindo-o e recomendando-o vivamente a seus penitentes e nos exercícios espirituais que pregava, num dos quais ganhou como auxiliar desta sua obra o Cardeal Colonna. Orações, coroas, cânticos, jaculatórias, tudo ele compunha e acomodava com piedosa indústria para ali­mentar a flama e dar múltiplas formas ao culto do Rei dos corações. Nas quintas-feiras, associava-se, diante do Tabernáculo, ao Coração de Jesus agonizante; nas sextas-feiras, seguia o Sagrado Coração em todas as circunstâncias da Paixão, e fazia a “via sacra, meditando sobre todas as estações; e nas grandes solenidades relativas à santa humanidade do Salvador, como às do Natal, Circuncisão, Epifania, Páscoa, considerava quais seriam os sentimentos do Coração de Jesus nesses mistérios de amor de Deus pelos homens. Em oratório privado ao recitarem-se as ladainhas de Nossa Senhora, em vez de responder simplesmente — “orai por nós” — dizia com viva fé: “Orai e amai por nós ao Coração de Jesus”. Suas cartas começavam assim: “Viva o divino Coração! que Ele triunfe em tôda parte, “ubique gentium!” — e acabavam invariavelmente: “Adeus. Orai por um mísero velho. Ó Jesus! por vosso Coração, sede para nós Jesus!” Quando se tratou de se instituir a festa e o oficio do Sagrado Co­ração, o Pe. Calvi incumbido de colecionar tudo que se achasse de mais frisante a respeito dos Padres da Igreja e escritores ascéticos, e foi com santo júbilo, e como bus­cando tesouros, que ele compilou os teste­munhos da tradição sobre o assunto. Nada recusava do que se lhe pedisse para o Sagrado Coração ou em nome dele, e o Co­ração Divino lhe retribuiu até com dons ex­traordinários, e o espirito de revelação e profecia. Um dia um padre, tendo visto em sonhos pálido e triste, um seu irmão falecido há pouco, disse ao Pe. Calvi, encontrando-o: “Recomendo-vos uma alma do Purgatório”. — “Quem ? volveu ele, — vosso irmão? Confiança, está no céu”. Anun­ciou ao célebre Battoni que ele seria o pintor do Sagrado Coração e executaria nesse gê­nero uma obra de grande valor, que daria glória a Deus e lucro a ele e à família; e, de fato, Battoni foi o autor do painel enco­mendado pela rainha de Portugal para a nova igreja do Sagrado Coração em Lisboa. Predisse também que Pausi, discípulo de Battoni, iria para a China e lá havia de pintar belas imagens do Coração de Jesus para os Missionários e os centros de catequese. Estendeu aos gravadores o seu apostolado e fez imprimir-se em medalhas a aparição de S. Luís Gonzaga ao Irmão Celestini, curando-o para que ele propagasse o culto do Sagrado Coração. A esta vida de apóstolo coroou a morte do justo, morte rápida e suave, em 1788, na primeira sexta-feira do mês, em dia do aniversário da morte de S. Francisco Xavier, e cerca da hora em que a lança do soldado abriu o Coração de Jesus.

DIA 15

O “Apostolado da Oração”, que foi em sua origem apenas uma liga piedosa for­mada pelo padre Gautrelet, entre os jovens religiosos de Vais, tomou a vasta organização e o desenvolvimento que tem em todo o mundo católico, por obra do Padre Henrique Ramière. Este sacerdote, dotado de grande talento e provido de variada e sólida ins­trução, desde o inicio de sua carreira deu-se ao ensino e ao púlpito, pregando de con­tinuo e com muito fruto. Era igualmente um bravo polemista, e, em sendo atacada uma verdade religiosa, saía a defendê-la, descarregando o golpe com a força precisa para desarmar o adversário. Por esta sua vivacidade, e pelo zelo com que se dedicava às boas obras, como que arrastando todos a servi-las, foi taxado de excessivo ardor; mas a tal censura respondeu de uma feita a certo Prelado: “Os carvões em brasa são os que acendem os ouros”. Intransigente quanto aos princípios e ao dever, ele era de uma docilidade extrema, e estava sempre disposto a qualquer sacrifício quando se tra­tava de fazer o bem. “Sois de um espírito admiravelmente conciliador”, escrevia-lhe um cavalheiro que com ele travou rijo combate na imprensa. “É tão humilde e simples, dizia alguém que o conheceu de perto que acei­tará observações de uma criança”. Confiava seus manuscritos a quem se queria instruir sobre assuntos de que ele tratava, e deu todos os seus sermões ingleses a um Missionário que partira para a América. Tinha a mesma dedicação para as classes cultivadas e para as condições humildes; às vezes, recolhia-se a estudar numa casa de campo, a fim de que os habitantes do lugar tivessem a Missa: visitava-os todos, cuidando particularmente dos enfermos, a quem ministrava conforto espiritual e deixava a esmola para o remédio e o sustento, quando preciso. Perdoava gene­rosamente as ofensas; a alguém que o esti­mava muito e lhe perguntou como deveria proceder para com uma pessoa que lhe era hostil, respondeu de pronto: “Ajudai-o em tudo que puderdes”, e como lhe observassem que esta pessoa o deprimia, replicou: “Ele tem razão de estar descontente comigo; eu não o quis molestar, mas as aparências eram contra mim. O Coração de Jesus não sofreu mais?” Desde sua primeira Missa escolhera como roteiro de sua vida as palavras do Evangelho: “Quem se nutre de mim deve viver para mim”. “Compreendi, dizia ele, que o meio mais poderoso para me firmar em minhas resoluções era ter os olhos sem­pre fixos em Jesus Cristo, e ver nele o ideal dessa liberdade, dessa paz, dessa vida pela qual suspiro. Seu Coração é a fonte dela; cabe-me buscar aí quanto queira”. E, com esta norma, organizou o “Apostolado da Oração” e para ele criou o “Mensageiro do Coração de Jesus”; surgindo contra esta a ob­jeção de que havia já muitas folhas e revistas religiosas, e que seria dificílimo sustentar por muito tempo uma que se tivesse de ocu­par sempre deste assunto, respondia triunfante: “Quem é que teme vir a esgotar-se um assunto, como esse, único, é verdade, porém mais vasto que o oceano? Poderemos falar sempre e muito, e nunca faltará o que dizer sobre aquele que “é tudo em todas as coisas”. De fato o “Mensageiro” saiu e, há mais de 50[1] anos, percorre o mundo, auxi­liando todas as causas católicas e pondo-as sobre o amparo do Sagrado Coração. Pio IX o aplaudiu logo assinalando que ele unia as orações dos fiéis para os fins mais ur­gentes e os punha em comunicação com o Coração de Jesus, fundindo-os cada vez mais no espírito de unidade. Entretanto, o padre Ramière, quase ao termo de tão laboriosa e fecunda carreira, lembrando-se do lema que adotara ao subir pela primeira vez ao altar, dizia humilde: “Há 35 anos que me nutro todos os dias de Jesus Cristo. Celebrei neste espaço de tempo 12900 missas; vivo constantemente sob o mesmo teto que o Di­vino Salvador; e como estou ainda longe de viver Unicamente d’Ele e para Ele!” Nas ligeiras notas sobre um retiro que pregou três dias antes de morrer, lê-se: “É tempo de me preparar imediatamente para o último sacrifício… O Senhor bate já à porta. Res­ta-me talvez bem pouco tempo para me dis­por à grande prestação de contas e santificar minha alma, e mais do que nunca devo fa­zê-lo pela união com o Coração de Jesus”. E na oitava de S. João Evangelista, em ja­neiro de 1884, quando se dispunha a cele­brar o santo Sacrifício, o Padre Ramière cala ferido de morte nos braços de seus ir­mãos. A “intenção que no “Mensageiro” ele designaria aos fiéis nesse mês, a sua pri­meira e última intenção, fora o “estabeleci­mento do reino de Deus na terra!”

DIA 16

Maria André, a dedicada “Zeladora do Apostolado da Oração”, foi logo após o batismo consagrada a Nossa Senhora, usan­do, por voto materno, só vestes brancas, até os três anos de idade: era como um prenúncio da angélica pureza com que em curta vida ela edificaria o mundo. Aos cinco anos, já lia bem, tinha gosto pela oração e mos­trava um coração terno e compassivo, interessando-se, vivamente, pelos que sofriam e revoltando-se contra quem os maltratava, até mesmo em relação aos contos que ouvia: desgostava-lhe a fábula do Lobo e do Cor­deiro, e afligia-lhe recitá-la, tanta era a sua pena do inocente que a fera escarnecia e imolava! Pelo fervor com que orava na igreja, pessoas havia que procuravam sua mãe para lhe dizerem com instância: “Peça a sua menina que reze por mim”. Maria de­sejava ardentemente comungar, e prepa­rou-se com o maior cuidado e zelo. Numa das lições de catecismo, o Padre, falando sobre as faltas que se cometem diariamente, sobre­tudo as desobediências, mandou que se levantassem as crianças que disto se sentiam culpadas; ninguém se moveu, porém Maria, não se julgando de todo inocente neste ponto, ergueu-se humilde, sem se confundir com o riso malicioso de algumas das compa­nheiras. Sua primeira Comunhão, feita com as melhores disposições, inflamou-a no amor à Sagrada Eucaristia: buscava-a frequentemente. Vendo sua mãe voltar da Comunhão, quando não pudera acompanhá-la, abra­çava-a contente, porque acabava de entrar aí no peito materno o Deus Sacramentado. As boas qualidades de Maria André manifestavam-se igualmente no colégio em que se educou; as mestras apontavam-na às outras como o exemplo; as condiscípulas, ao con­trário de se melindrarem com isso e contes­tarem, reconheciam-no ainda em maior grau, exclamando: “Nós não podemos fazer o que Maria faz, ela é uma santa”. E, sem se envai­decer de que assim a julgassem, a jovem dis­pensava o mesmo carinho e dedicação a todos; mais tarde, na vida social ou no lar, empenhava-se por todas as formas em ser útil, em auxiliar a quem precisasse. Amando muito o desenho e a pintura, abandonava o lápis e o pincel para se dar a trabalhos ma­nuais que não lhe agradavam, mas que parti­lhava satisfeita para aliviar aos que via sobrecarregados: “Eu posso fazer isto, dizia, dividamos”.

O bem das almas, porém, era o que so­bretudo procurava, lembrando, gentilmente, os deveres religiosos, e a prática de boas obras e salutares devoções; tinha sempre diversas a propor, e quando suas compa­nheiras riam disso, volvia: “É porque assim podem escolher; se não quiserem uma, têm outra”. Trabalhava, porém, mais espe­cialmente pelo Apostolado da Oração, de que era zeladora: explicava seus dons, mos­trava, com eloquência e zelo, os frutos e vantagens que dele se podiam colher, no­tando suplicante: “É tão pouco que fazer, e tanto a lucrar!” Consegue assim reunir centenas de associados, e, como o espírito da devoção ao Coração de Jesus é fazer o bem por todas as formas e zelar tudo o que interessa a glória de Deus, Maria André procura, a miúdo, as operárias e vela em que não faltem às Missas de preceito e frequentem a Comunhão; visita e socorre aos enfermos, ensina o catecismo às crianças, fa­zendo profusa distribuição de imagens, etc. Além disto, executa por suas mãos belos tra­balhos para a decoração do altar, e, como não houvesse organista para as cerimônias da igreja, só por isso estudou a música, e em breve, toda a vez que era preciso, estava a tocar o harmônio. Devotíssima do SS. Sacramento, não prescindiu nunca de entrar nas igrejas por onde passava fosse embora só para se ajoelhar um momento diante do Tabernáculo; pelo fervor edificante com que fazia a via-sacra, mais de uma vez a de­signaram assim: “Olhem a moça que faz tão bem o caminho da cruz!” Dos vivos o seu zelo se estendia aos mortos; um dia, ao entrar em casa, sabe que morrera, subita­mente, um velho quase abandonado. Maria, contristada, vai a sua mãe, e lhe diz: “Ninguém se lembrará de mandar dizer uma Missa por este pobre senhor que bem pre­cisa; só me resta um franco; se me pu­desse dar outro, faríamos logo celebrar uma. Em seu desejo de mais servir a Deus, quis ser Religiosa; seus velhos pais opuse­ram-se, dizendo que a separação lhes cau­saria a morte e se esforçaram por distraí-la de seu fervor devoto. Maria sofreu com a recusa e foi definhando; disseram-lhe então que, se o contrariá-la a afligia muito, livre estava, fizesse o que queria; mas com lá­grimas nos olhos, respondeu: “O sacrifício está feito; não falemos mais nisto”. O aba­timento das forças prosseguiu; numa pro­cissão que acompanhava, impressionou a sua mãe o ardor e transporte com que entoava, como um hino de libertação, o cântico: “No céu, no céu, com minha Mãe estarei!” Pouco depois, a febre a prostrara: “O bom Jesus me tem pregado em sua cruz, escrevia ela na sua última carta; — desde ontem estou reclusa. Eis como as corriqueiras são punidas. Deo gratias, sempre”. Após um mês de atrozes sofrimentos, durante os quais recebeu por várias vezes os socorros espirituais, a 28 de novembro de 1891, dizendo ternamente a seus pais: — “Eu orarei por vós”, — exalou o último alento; sob um impulso do alto, sua mãe recitava nessa hora o “Magnificat, como para acompanhar com a ação de graças da SS. Virgem a entrada triunfante de sua filha no céu.

DIA 17

O Pe. Vítor Drevon, descendente de Bayard — o cavalheiro “sem medo e sem pecha”, — mostrou-se como sacerdote um digno continuador das tradições de seus maiores, na firmeza com que guardou os postos que assumiu, sem jamais contar o nú­mero dos inimigos que tinha a bater e sem se poupar a nenhum sacrifício na defesa de sua santa causa. Professando na Companhia de Jesus, exercitou-se primeiro na Algéria, em Constantina, onde num quarteirão árabe transformou uma velha mesquita em igreja do Coração de Jesus, fundando aí um centro de fervorosa fé cristã. Chamado pouco de­pois à França, indo pregar em Paray-le-Monial uma novena, falaram-lhe à alma os ape­los do Sagrado Coração para que se lhe ofe­recessem desagravos pelos ultrajes e aban­dono que sofria de tantos, e trouxe daí a ins­piração de criar a “Obra da Comunhão Reparadora”. Iniciou-a na sua casa religiosa em Lonsle-Saulnier, associando-se lhe o escol das almas piedosas que ele dirigia. O espírito de sacrifício era a alavanca de que se servia para tão santo movimento, a Co­munhão fervorosa frequente é que o havia de incutir e fortalecer, unindo o cristão à vida mística de Nosso Senhor no tabernáculo. “Vós, dizia ele, deveis morrer cada dia no Sagrado Coração. Essa morte diária de todo o vosso ser e de suas inclinações mun­danas, é que vos pode fazer crescer na vir­tude e no amor de Deus. É na Santa Mesa que achareis as forças para vos sacrificardes pelos ingratos e para consolardes o Divino Coração das ingratidões que sofre”. Não se deve comungar só por si e pela família, mas também pela Igreja, e não tão somente para gozar de Deus neste mundo, mais ain­da e sobretudo para o desagravar e obter o perdão dos pecadores”. E foi ensinando e exortando assim que, de um pequeno san­tuário, ele espalhou no mundo inteiro a “Co­munhão Reparadora”. Com esta grandiosa empresa tentava aqui e acolá vários expe­dientes e modos de dar combate ao mal e salvar as almas. Quando a França ge­mia sob o peso da invasão estrangeira e en­tre os horrores da Comuna, ouvindo ele de pessoa veneranda que tais males cessariam se os poderes do Estado e as classes sociais se unissem em preces, correu a solicitá-lo dos representantes da nação, dirigindo-se a um por um, e, a despeito de que intrépidos cris­tãos, como Luís Veuillot, tivessem como per­didos tais esforços, a proposta foi votada no Parlamento quase unanimemente. Promoveu também as peregrinações a Paray-le-Monial, percorrendo para isso a França e a Bélgica, e sustentando ativa correspondência epistolar com muitos outros países, de cuja cam­panha resultou, em junho de 1873, o con­curso de milhares de peregrinos de todas as procedências, e entre eles um cortejo de 200 deputados franceses que ofereceram um es­tandarte ao santuário e fizeram nele a sua consagração ao Sagrado Coração. Ao anun­ciarem os inimigos da Igreja a comemoração do centenário de Voltaire, o Pe. Drevon promoveu um ato universal de desagravo e conseguiu nesse intuito mais de dois mi­lhões de “Comunhões Reparadoras”. Reali­zou ainda, em Paray-le-Monial, duas gran­des obras em honra do Sagrado Coração: o “Museu e a Biblioteca Eucarística”, colecionando todas as produções da arte e todos os livros estampados em homenagem ao ine­fável mistério do amor de Jesus. Ouviram-no algures exprimir o desejo de morrer em Roma, e oferecer a sua vida pela paz da igreja e pela pátria; indo à Cidade Eterna como postulador da causa do Pe. Colombière, no dia do aniversário da morte deste caiu enfermo, agravando-se rapidamente o mal, a que sucumbiu invocando de contínuo por longas horas o nome de Jesus.

DIA 18

Armelle Nicolas foi uma pobre criada, mas tão admiravelmente exerceu o seu hu­milde ofício que deixou uma abençoada me­mória em Campenac, sua terra natal, e me­receu que o chefe da família a que serviu du­rante sua vida inteira atestasse a seu respeito o seguinte: Deus por uma especial provi­dência no-la deu, logo que me casei, para governar a nossa casa, pois que, sendo minha mulher inexperiente nisso e doente, Ar­melle a servia, consolava e ajudava carinho­samente assim como a todos da casa, onde muitas vezes havia enfermos e meu filho mais velho sofreu por muito tempo uma aborre­cida moléstia em que lhe dispensou ela inexcedíveis cuidados. Atendia a tudo em tempo, e com tanta diligência fazia suas devo­ções da igreja e suas compras, que mal se percebia que saísse de casa; quando ad­vertia de alguma falta aos companheiros de serviço, era com bondade e paciência tais, que eles a ouviam dóceis e se corrigiam, e em 35 anos que esteve conosco nunca a vi irritada ou impaciente. Educava os meninos com zelo e amor, ensinando-os desde que sabiam falar, a darem seu coração a Deus e fazerem pequenas orações. Até as pessoas de posição que frequentavam o nosso lar, tinham-lhe estima e respeito. Interessava-se por todos os nossos negócios e os recomen­dava a Deus; num grande processo que sustentei, ela muito me consolava e animava, e às suas orações atribuo em grande parte o triunfo que alcancei. Era enfim uma cristã, em quem não conheci defeito”. Por sua vez o cura de Campenac, após a morte de Armelle, dizia do púlpito: “Desde sua infância deu indícios de uma vida acima do comum. Caracterizava-a uma perfeita cari­dade com o próximo: não dava lugar a que sua mãe ou os de sua casa fizessem nada de penoso, antecipava-os em tudo quanto era de maior trabalho. Sua devoção à Missa era tal, que desde a idade de 7 anos, en­quanto morou em minha paróquia, nunca fa­lhou um só dia, embora morasse longe da igreja. Dava o seu almoço às companheiras para guardarem o seu rebanho, enquanto ela ia assistir ao Santo Sacrifício”. O povo de Campenac, a uma voz, o confirmava, cha­mando-a todos a boa Armelle. Aos vinte anos, deixou as ocupações do campo e veio procurar trabalho na cidade, para ter mais frequente o ensino e o conforto da religião. “Se meu sangue pudesse valer alguma coisa para o bem das almas, dizia ela, eu o daria todo”. E a seus votos e orações pela con­versão dos pecadores juntava um empenho constante com os ricos para que prote­gessem as obras apostólicas e auxiliassem as missões, sobretudo nas freguesias rurais. Soube-se que muito concorreu para a con­versão de pessoas que de há muito viviam escandalosamente no vício. Aplicava as Missas que ouvia e todas as suas boas obras ao alívio das almas do purgatório: “Se eu visse um de meus parentes num braseiro, deixa-lo-ia arder, podendo salvá-lo? Que não devo, pois, fazer para socorrer a meus irmãos no purgatório!” Compadecia-se tam­bém vivamente dos pobres e dos enfermos, distribuindo com eles o seu salário e visitan­do-os com a mais desvelada caridade: a um operário de Vannes que vivia abando­nado até da própria esposa, coberto de úlceras que repugnava olhar, ela ia ver todos os dias, levava-lhe o sustento, pensava-lhe as chagas, exortava-o à paciência, e assim o tratou por muito tempo até que ele morreu, bendizendo a Deus de que a houvesse en­viado em seu socorro. Não lhe faltaram ten­tações, e às vezes violentas; porém corria a abrigar-se como uma criança nos braços de seu Pai do céu rogando que lhe não consen­tisse ofendê-lo, e a tentação cessava. Perguntando-se-lhe, um dia, de que meios se servia para chegar a essa vida exemplar, res­pondeu que durante vinte anos entregou seu coração a Jesus, e ao cabo destes Jesus lhe abrira o seu. “Eu quero te abrigar em mi­nha casa, me disse Jesus, e, mostrando-me a chaga do seu divino lado, fez-me entrar por aí em seu Coração… E me achei aí encer­rada com tanta glória e liberdade que o não podia compreender. Sentia-me ali à von­tade, nada me oprimia. Via esse Divino Co­ração tão infinitamente grande, que mil mundos inteiros não bastariam para enchê-lo. Eu agora, dia e noite, não saio do Co­ração de Jesus; é um asilo, é meu refúgio contra todos os meus inimigos”. Aconselhada a deixar o serviço doméstico para pra­ticar mais livremente suas devoções, recu­sou-o, declarando que nessa baixa condição se exercitaria mais na humildade, e, servindo as criaturas, aprenderia a servir a Deus. Num dia da oitava de “Corpus Christi” recebeu o coice de um cavalo, que lhe fraturou a perna; durante mais de um ano, presa ao leito ou cadeira, não ficava ociosa, fazia-se con­duzir a um canto da cozinha, e daí dirigia o trabalho ou executava qualquer coisa de útil à casa; e quando lastimavam que se visse privada de praticar como dantes a sua fé e dedicação, acudia logo: “Jesus me ensinou que tudo o que é feito ou suportado por seu amor, é uma verdadeira oração. Por sua graça e sua grande misericórdia, eu estou numa perfeita união com Ele”. Nestes sen­timentos e santas disposições morreu aos 65 anos de idade; seu amo determinou que se lhe fizesse o enterro como o de uma sua filha, e, mandando que se lhe não cobrissem os pés, foi de joelhos beijá-los. Foi uma procissão de todo o povo de Campenac o seu préstito fúnebre, e sua sepultura, diz quem lhe historiou a vida, é visitada por muitos, a lhe pedirem graças ou agradecê-las.

DIA 19

Quando desapareceu dentre os vivos o almirante Coubert, pranteou-o em França o mundo literário pela pena de um dos mais notáveis escritores, Pierre Loti, e a sociedade cristã pela palavra de um dos mais eloquentes oradores sacros, Mons. Freppel. E bem o merecia, porque havia sido um herói e um justo. No tempo em que vivemos, dizia o almirante Julien de la Gravière, ele pode ser apontado aos nossos jovens oficiais como o melhor e mais completo modelo no caminho do patriotismo e da honra. Coubert reunia ao cabedal científico essa paciência operosa que atende às coisas no seu conjunto e nos detalhes, e possuía o sentimento de justiça que com a bondade d’alma granjeia ao chefe a afeição de seus subordinados. Ele deu sempre às equipagens o exemplo de uma fé sincera e viva: os capelães de armada ates­taram todos, verdadeiramente edificados, a piedade e recolhimento com que assistia à Missa, acompanhando no “Manual do Cris­tão” os atos e as orações da liturgia. Quando foi decretada em França a expulsão das Con­gregações religiosas, sendo ele nomeado go­vernador da Nova Caledônia, declarou ao ministro: “Entrando para a armada, fiz o sacrifício da minha vida, não o de minha honra. Sou católico. Se contais comigo para executar os decretos, estais enganado. Pro­curai algum mais complacente”. E só aceitou o cargo, depois que o ministro lhe respon­deu: “Não se trata agora de decretos, sois preciso lá, parti”. E enquanto ocupou esse posto, Coubert defendeu corajosamente as Congregações contra a perseguição dos sec­tários e dos maus, e a respeito deles escre­via: “Na praça pública e como traidores da França se deveriam castigar os que estorvam a ação dos nossos missionários”. Ao deixar o cargo, anunciava também: “Antes de partir de Numea, tive a alegria de favorecer e autorizar a fundação de uma sociedade de boas pessoas, cujo fim é manter e desenvolver as escolas congreganistas. Numa se­mana se reuniram os capitais necessários”.

Aberta a guerra da França com o Tonkin, teve Coubert o comando das operações e ganhou assinaladas vitórias: porém nesse caminho de glórias o prostrou uma enfermidade mortal, que ele sofreu até a última hora como verdadeiro cristão, pedindo e recebendo os sacramentos, e apertando ao peito o cruci­fixo. Coubert fora, em toda a sua vida, um adorador fervoroso do Sagrado Coração. Subscrevera “em nome de sua esquadra” uma avultada quantia para a construção da igreja do “Voto Nacional”, enviava-lhe anualmente o seu óbulo, e quis que após a sua morte sua gloriosa espada e as condeco­rações com que foi distinguido se depositas­sem na capela que a marinha católica erigiu no grande santuário.

DIA 20

Garcia Moreno, o heroico presidente da República do Equador, desde menino reve­lou um talento não comum e adquiriu uma vontade enérgica e firme. Cedo a pobreza se assentou em seu lar, sendo preciso que sua própria mãe ministrasse ao órfão o ensino primário. Passou depois a estudar hu­manidades com um sábio Religioso da Or­dem de Nossa Senhora das Mercês, que se afeiçoou vivamente ao discípulo, por sua constante aplicação e a facilidade e rapidez, com que tudo aprendia. Acabado este tirocínio, o jovem resolveu, ainda através de todas as privações, ir cursar a Universidade, e também nesta circunstância lhe valeu o Re­ligioso, recomendando-o a duas irmãs suas residentes em Quito, que, embora pobres, o acolheram. Aí entregou-se com ardor aos estudos, que estendia até a noite alta e rea­tava, madrugando; mas em compensação dos labores conquistava o primeiro lugar nas aulas e se fazia querido e respeitado por mestres e condiscípulos. Aos vinte anos, os salões de Quito abriam-se ao pobre que tanto se distinguia, e ele se deixou seduzir um momento pelas festas do mundo, mas logo reagiu, e, cortando rente os cabelos como se fora um monge, orou e disse, levantando-se: “A vida é muito curta para se gastar sequer um dia em futilidades. Agora, serei mais fiel a meus livros”. Pensou então em abraçar o sacerdócio, e chegou a receber a tonsura e ordens menores, mas ou por sua sede insa­ciável de saber, que parece querer lançar-se a tudo, ou por desígnios da Providência que traçavam outros combates, diplomou-se em direito, dando-se primeiro à advocacia, que abandonou pelo desgosto de ter defendido uma causa que conheceu mais tarde ser in­justa. Com um sábio estrangeiro, expondo por vezes a vida, fez cuidadosas explorações do grande vulcão de Quito, das quais apresentou substanciosas memórias que as revistas científicas publicaram. Assentou por fim a sua tenda no jornalismo e na carreira po­lítica, votando-se à obra da restauração dos princípios cristãos nas instituições públicas de seu país. Nessa campanha, vibrou a sua brilhante “Defesa dos jesuítas”, demons­trando que a perseguição a esses Padres em Nova Granada, no Equador, em todo o mundo, tinha por alvo a própria fé e o bem que eles faziam; concluía assim: “Chamar-me-ão fanático, porque empreguei meu tempo em traçar esta defesa, mas isto pouco me importa. Sou católico e me ufano de o ser, conquanto não me conte como um dos mais fervorosos. Cristão e patriota, não me posso calar sobre uma questão que afeta no mais alto grau a religião e a pátria”. Mas, se na verdade esqueceu por algum tempo certos deveres de cristão, sua consciência despertou, diligente e humilde, quando in­terrogada. Um dia, em Paris, onde Moreno se abrigara contra as graves ameaças dos que dominavam no Equador, defenderam em sua presença o ato de um infeliz que à hora da morte recusara os sacramentos; ele rebateu, fazendo ver que, se o esquecimento do dever religioso, no curso da vida, pode quiçá escusar-se pela irreflexão humana e multi­plicidade de negócios que desafiam a aten­ção, à hora da morte, em que se decidem os interesses eternos, o desprezo da religião é uma coisa monstruosa; e dissertou calorosa e brilhantemente sobre a sublimidade da fé. O contendor, não podendo retorquir vanta­josamente, achou esta saída: “Mas, vós mesmo vos descuidais de praticar a bela re­ligião que pregais; desde quando não vos confessais?” Garcia Moreno curva a cabeça um instante, e, erguendo-a logo, exclamou: “Obrigado, amigo, respondestes com um ar­gumento pessoal, que vos pode parecer hoje excelente, mas que amanhã nada valerá;” e no mesmo dia confessava-se, reatando na manhã seguinte a prática regular e fiel de seus deveres cristãos. Eleito reitor da Uni­versidade pelo corpo docente, voltou a dar combate aos abusos do poder, ganhando tanto a confiança dos seus concidadãos, que lhe deram o voto sucessivamente para os mais altos cargos e na convenção nacional de 1861 o elegeram Presidente da República. Viu-se então restabelecida no país a ordem; o ensino cristão propagou-se, recebendo o concurso das instruções religiosas da Europa mais altos cargos e na convenção nacional de asilos e hospitais; e celebrou-se a con­cordata com a Santa Sé, dando ação livre à Igreja em seu ministério. Garcia tinha sobre sua mesa de trabalho, como a inspirá-lo e guardá-lo, uma imagem do Sagrado Cora­ção. Completo o quadriênio do governo, dei­xava-o por entre ovações do povo que em 1869 o reconduzia à presidência. Neste se­gundo período presidencial obteve que o Congresso reformasse a Constituição, moldando-a pelos genuínos princípios cristãos, e por atos oficiais consagrou a República ao Sagrado Coração de Jesus. “É preciso, po­rém, dizia ele neste ato, que o povo se puri­fique no Sangue divino, para que a oferenda seja digna”. Na última página de um livro da “Imitação” de que usava, achou-se escrito por seu punho: “Todas as manhãs, na oração, pedirei particularmente a virtude da humildade; assistirei à Missa, recitarei o ro­sário, e lerei um capítulo da “Imitação”… Farei duas vezes por dia o exame particular, e confessar-me-ei todas as semanas”. Nos dias de sua eleição, a esposa mostrou dese­jos de que oferecesse um banquete aos di­plomatas e ministros, e declarando ele que não gastaria com festas dessa ordem quando eram tantas as necessidades públicas, ela deu-lhe 500 piastras suas para esse fim; Moreno levou-as ao hospital, mandando que com a soma dessem melhor refeição aos pobres, e, de volta, informou-a do fato, dizendo: “Melhor do que desejava, apliquei teu dinheiro”. Garcia Moreno foi o único chefe de Estado que teve a coragem de pro­testar contra a ocupação de Roma pelo rei do Piemonte. Um alemão, professor da Es­cola Politécnica, ao voltar de visitá-lo em sua casa de campo, escreveu edificado que aí o vira com o maior recolhimento ajudar à Missa, diante de todo o povo do lugar. Foi ainda reeleito em 1873, mas a impiedade e o maçonismo, exasperados contra o seu governo cristão, trataram de matá-lo. Avi­sado várias vezes até do próprio dia que es­tava marcado para o assassinato, e aconse­lhado a se fazer seguir de uma escolta, não o quis, declarando que a última medida a tomar era a de ser pronto para ir à presença de Deus, feliz de morrer pela fé. No dia 6 de agosto de 1875, primeira sexta-feira do mês, assistiu à Missa e comungou na igreja de S. Domingos em Quito; a uma hora da tarde, se dirigiu para o palácio, entrando antes na catedral para adorar o SS. Sacramento ex­posto; à saída, os algozes o atacam de em­boscada, vibrando sucessivos golpes, e ele cai, exclamando: “Deus não morre!” Indig­nado contra o crime que o surpreendera, o povo castigou logo os principais assassinos; o congresso nacional, decretando o luto pú­blico, proclamava Garcia Moreno o regenerador da pátria e mártir da civilização cató­lica; e Pio IX, à notícia da grande perda, pranteava-a, dizendo à cristandade: “Cava­lheiro de Cristo, ele caiu vítima da fé e da caridade com a pátria!”

DIA 21

O dia 21 de junho evocará sempre à lembrança dos católicos o vulto angélico de Luís Gonzaga, o pobre e humilde de coração que tanto amou e imitou o Coração de Jesus. Descendente de príncipes, ele mostrou, desde tenra idade, o maior desapego das gran­dezas e honrarias do mundo e uma inclina­ção afetuosa para os pequenos e pobres, a quem falava com particular agrado e distri­buía copiosas esmolas. Viam-no, ainda me­nino, erguer-se do leito pelo meio da noite e pôr-se a orar de braços estendidos em cruz; acudia a acomodar os criados quando con­tendiam, repreendendo sem aspereza os cul­pados, e nas festas da corte, sempre que apareceu, foi com tanta modéstia e superio­ridade que a todos impunha respeito. Refe­re-se na sua vida que diante de damas não levantava os olhos, de modo que, vendo frequentemente a imperatriz Maria da Áustria, nunca lhe conheceu os traços da fisionomia, e de seu pudor se conta que, a despeito da ordinária brandura, um dia fez corar a certo velho que proferiu um dito indecoroso. Mesmo na vida secular praticava a mortificação e por modo que ninguém o podia em­baraçar, como nenhum esforço nem súplica ou estratagema da família conseguiu demo­vê-lo de abraçar a vida religiosa. Como no­viço da Companhia de Jesus, pedia e pres­tava-se com satisfação aos ofícios mais hu­mildes: carregava as cestas com provisão destinada aos pobres, limpava na cozinha os pratos e os talheres, sacudia as teias de ara­nha, cuidava dos candeeiros do uso comum; o que suplicara lhe reservassem, era o mais acanhado e desprovido, e suas vestes e panos de cama os mais grosseiros. Quando saía pela cidade em Roma, era seu prazer explicar as verdades da fé nos lugares onde afluía o povo, como o campo de Flora ou Montanara; e o fazia com tanta unção e clareza, que a todos convencia e cativava: um dia o cardeal de Cusa, de passagem numa praça em que ele ensinava o catecismo, parou a es­cutar atento e edificado a pregação do jovem aos camponeses, de pé sobre um tablado, ao modo por que os mercadores ambulantes anunciam seus artigos, mas apregoando e ex­pondo os artigos da salvação. Dele dizia também o sábio cardeal S. Belarmino: “Dando ao Irmão Luís os exercícios de Santo Inácio, nele descobriu tal cópia de luzes, que, eu velho, nascido e educado num meio de conforto aprendi deste menino a arte de meditar”. Em firmeza soube ele sempre do­minar a natureza e o hábito, arriscando-se a todos os perigos, vencendo todas as repugnâncias, e propondo-se a todos os sacrifícios que a salvação das almas ou a caridade com o próximo lhe pedissem. Provou-o à evi­dência quando em 1591 a fome e a peste grassaram em Roma: o Santo percorria a cidade, com um alforje na mão e pedindo esmolas, que distribuía às vitimas do flagelo; e, encontrando um pestoso caído na rua, toma-o aos ombros e o conduz ao hos­pital da Consolação. Neste santo lidar contraiu a peste, e dela morreu, ouvindo-se en­tão em sua câmara suaves melodias de ori­gem misteriosa, que se atribuíram aos anjos, festejando a seu irmão terrestre. A força e glória de S. Luís estiveram em que ele foi um precursor do culto ao Sagrado Coração, conhecendo-o e praticando-o, se não em sua forma, em seu espírito que é o de cristianis­mo. S. Luís, diz Santa Madalena de Pazzi, quando viveu no mundo, foi sempre a dis­parar flechas de amor para o Coração do Verbo. Foi no dia 21 de junho que Santa Margarida Maria e o venerável padre Colombière se consagraram ao Divino Coração, e o padre Croiset indica S. Luís como um guia nessa devoção. Quando Clemente XIII aprovou e instituiu a sua festa, um solene milagre veio confirmá-la: o noviço jesuíta Nicolau Celestini, que se achava mortalmente enfermo, foi curado de súbito por intercessão de S. Luís Gonzaga, que lhe apareceu, abençoando-o e recomendando-lhe propagar a devoção ao Sagrado Coração como agradabilíssima ao céu.

DIA 22

O General de Sonis, uma das mais bri­lhantes figuras do exército francês, nascido nas Antilhas, era tão bravo soldado quanto fervoroso cristão. Descuidado de seus deveres religiosos a princípio, muito influiu em sua resolução de os praticar um simples fato: a visita confortadora que lhe fez um sacer­dote para ele desconhecido, o Pe. Ponce, quando o jovem e suas irmãs choravam inconsoláveis e sós a morte de seu pai, ocor­rida no curso de uma viagem, longe da fa­mília e num lugar onde ninguém os conhecia.

“Cada palavra desse padre me calava na alma, escreveu depois Sonis, e quando ele nos deixou, eu estava convertido; de­pois fui sempre avançando, porque, desde que se começa a amar a Deus, não é possível mais achar que se o ame bastante”. Na es­cola “Saint Cyr”, foi na sua época um dos raros alunos que não hesitavam em se de­clarar cristãos. Enviado para a guarnição de Limoges, mostrou-se aí um verdadeiro “miles Christi”: todos os dias às 5 horas da manhã mesmo no maior rigor do inverno, via-se o jovem oficial da cavalaria dirigir-se à cate­dral, ouvir atentamente a Missa e voltar ao quartel. Num exercício militar o seu cavalo perdeu o freio e deu-lhe uma queda que poderia ser mortal; seu primeiro ato, logo que ficou livre, foi ir à igreja, em grande uniforme como estava, fazer a via-sacra em ação de graças. Tinha em sua sala de re­cepções uma imagem do Sagrado Coração, diante da qual ardia sempre uma lâmpada. Comungava todas as semanas, e fazia dia­riamente a visita ao SS. Sacramento, como que montando guarda diante do trono do Rei do Céu. “Pois que aí está presente, é onde se deve ir tomar suas ordens todos os dias”. Magoava-o qualquer desrespeito à re­ligião, e seus inferiores, sabendo-o refreavam-se: um soldado, em certo exercício soltou uma blasfêmia, porém olhando logo em redor e vendo que Sonis estava longe, disse como arrependido: “Foi bom que o lugar-tenente não ouvisse; ele se vexaria”. Outra vez, encontrando numa praça o Santo Viático, ajoelhou-se ali mesmo e adorou: passava num carro aberto uma jovem mun­dana, que pondo-se em pé sobre o coxim, deu uma gargalhada. Ante o insulto ao seu Deus, Sonis levantou-se, e, medindo-a de alto a baixo, disse revoltado: “Isto te faz rir a ti?” A mulher empalideceu e ocultou-se. Em sua devoção ao SS. Sacra­mento, promoveu a adoração noturna para consolar ao Coração de Jesus nas horas em que se o deixa quase solitário; e comuni­cava o fato a seu amigo Luís de Sèze nestes termos: “Começamos nossa obra este ano, estando na terça-feira gorda. Procuramos assim pôr na balança dos julgamentos de Deus um pouco de amor na concha da mi­sericórdia, que está muito vazia de nossas reparações, a fim de fazer o contrapeso à malícia dos homens”. Nos dias de jejum to­mava uma refeição ao pôr do sol e da quinta-feira ao sábado santo fazia-o com tanto rigor que um Religioso lhe aconselhou moderação: “Se em consciência posso bem suportá-lo, replicou ele, podereis vós dispensar-me?” Tomou parte nas expedições à Algéria e à Itália em 1895, vencendo fortes batalhas Percorria depois o acampamento; dirigindo-se carinhosamente aos feridos, lhes ajudava o tratamento, lembrava orações e distribuía medalhas bentas. Nas marchas e reconhecimentos, onde havia um presbitério, apeava-se e ia confessar-se: “Às vezes, refere ele, o cura não sabia o francês e eu tinha de me arranjar com o pouco de latim que aprendera; para a Comunhão nos dias se­guintes, era entrar na igreja que encontrá­vamos, a pedi-la com presteza; a ação de graças se ia fazer a cavalo e correndo”. Nas fronteiras de Marrocos, o cólera atacou as forças e fez muitas vítimas. Em carta a um amigo, Sonis, consternado, relatava-o assim: “Angustiava-me ver esses caros companhei­ros caírem como moscas, sem haver quem os fizesse pensar em sua salvação eterna: não tínhamos capelão. Eu fiz o que pude; ani­mava-os, fazia-lhes boas exortações, apre­sentava-lhes o Crucifixo. Não cabia mais em minhas forças para lhes abrir o céu mais eu contava bem com o Sagrado Coração de Jesus, que muito me valeu na circunstância”. Travada a guerra franco-prussiana, foi no­meado general de brigada, e respondeu: “Quero só a “ordem de marchar, mesmo como simples soldado”. Assumindo primei­ramente um posto em que bate os invasores, ele recebe depois ordem de marchar toman­do por guia a voz do canhão: a maior parte das tropas que deve comandar tarda a mo­bilizar-se, outras vem mal disciplinadas, esquivas e descalças, de modo que num quadro numérico de mais de 40 mil homens Sonis só poderia contar com algumas cente­nas de bravos. Foi o que se demonstrou em Loigny; ante a fraqueza dos regimentos in­teiros que se negavam a marchar, o general lhes bradou: “Vou mostrar-vos o que valem verdadeiros franceses e cristãos!” E, pondo-se à frente dos zuavos que desfraldavam a bandeira do Sagrado Coração, avançou corajoso, rechaçando até longe o inimigo; este porém recebia dentro em pouco um reforço esmagador que se atirava sobre o punhado de bravos, e, aos cem contra um, prostrava-se no campo de batalha glorificados mesmo em sua queda pelo cumpri­mento heroico do dever. De Sonis foi ba­leado em uma das pernas, que teve de ser amputada. Mais tarde, numa peregrinação a Paray, aconselhando-o alguém a substituir a perna de pau que usava por uma articulada, respondia: “Não, nada de imposturas; assim pareceria ter duas pernas, quando tenho uma só”. A noite do aniversário da batalha de Loigny, ele passava-a na igreja em oração, comungando de manhã. Pediu a sua reforma para não ter nenhuma parte na execução dos decretos contra as Congrega­ções religiosas, e ao morrer, em 1886, decla­rava em seu testamento dispensar nos fune­rais as honras militares, desde que se recu­savam ao SS. Sacramento. “Ele foi grande diante de Deus e dos homens”, proclamou o Mons. Freppel em sua oração fúnebre na igreja de Loigny, perante o escol da França católica.

DIA 23

O Conde de Chambord, da velha di­nastia dos Bourbons, que deu tão gloriosos reis à França e à Igreja fiéis defensores, foi reconhecidamente um cristão de convicção e de obras, um homem de oração; sem com isto deixar de ser como não o desconheceram os seus próprios adversários políticos, um es­pírito notavelmente esclarecido e culto, um coração nobre e magnífico que no exílio honrou a pátria. A educação religiosa do Conde foi desvelada e no dia 2 de fevereiro de 1823, em que fez a sua primeira Comu­nhão, Carlos X, seu avô, dizia: “Teus des­tinos podem ser muito grandes, e muito di­fíceis os teus deveres. Se alguma vez sentires o peso das tribulações e trabalhos inse­paráveis da tua condição, a lembrança deste dia te dará forças”. E o adolescente o com­preendia assim, recebendo a Sagrada Euca­ristia como o pão dos fortes e dos puros. Perguntando-se-lhe então a qual dos seus dois antepassados, S. Luís ou Luís XIV, desejaria ele assemelhar-se, respondeu sem hesitação: “A S. Luís, porque a santidade é a maior de todas as grandezas”. Seu preceptor, o padre Druilhet, oferecendo-lhe um bordado em seda que representava o Cora­ção de Jesus, cujo sangue cala, gota a gota, sobre um ramo de lírios, e tinha no alto o nome de Henrique e as palavras — “serva lilia”, interrogou-o como as entendia: “Pede ao Sagrado Coração que proteja os Bourbons”, respondeu. — “Não terão ainda um outro sentido?” — “Bourbon, guarda a pureza… Padre, fique tranquilo”. De fato, mais tarde, numa época de degeneração em que outros príncipes arrastavam leviana­mente a honra de seu nome e tristes aven­turas, os seus biógrafos puderam assinalar que Viena, Roma, Berlim, Londres, Veneza, o viram sucessivamente dentro de seus mu­ros, e em toda parte ele deu à sua mocidade o brilho de uma conduta sem mácula. Essa divisa – “serva lilia”, – Chambord a guar­dou particularmente e de um modo heroico, no dia em que lhe propuseram trocar por outra a sua bandeira, para ser proclamado rei da França; ele o recusou. Foi Terceiro Franciscano; rezava, meditava, e tinha de­voções particulares, cujos exercícios não olvidava, assistia frequentemente à Missa, antecipando a hora costumada, se lhe era preciso viajar cedo; comungava aos domingos e festas solenes, dizendo sentir um vazio na alma quando não o podia fazer; estudava as questões fundamentais da religião e as doutrinas católicas, munindo-se dos melhores livros e tratados antigos e recentes. Nas viagens de trem que se prolongavam quando o movimento em redor diminuía e a conversação cessava, ele recolhia-se e consigo e sem respeito humano, tirando do bolso o terço, postos os olhos no céu, rezava-o; conta-se mesmo que o fez por vezes em caçada quan­do teve de estacionar à espera da presa que os monteiros iam arrancar da toca. Ninguém poderia calcular o que fazia em favor dos pobres; mandava dar lhes roupa, sustento, socorros médicos, meios para a educação da prole, e nenhum dos que encontrasse em ca­minho ficava sem uma boa esmola. Quando o seu féretro era levado à estação de Goritz, viu-se um aleijado que soluçava em pranto inconsolável; desde a primeira vez que o vira, o Conde lhe consignara uma boa pensão mensal. A todas as instituições pias e de beneficência auxiliava com donativos frequentes e avultados; Escolas apostólicas, Propagação da Fé, Obras de patrocínio, Bibliotecas. Óbulos de S. Pedro, ereções ou restaurações de santuários, tudo achava, solicitado ou espontâneo, o seu pronto concurso; e após sua morte, legados verdadeiramente régios coroaram a munificência dos largos donativos que lhes fizera em vida. Na sua altíssima posição, era um homem hu­milde. Entrando uma vez num cercado com alguns nobres para atirar sobre uma narceja, um rústico saiu a gritar que era um insulto aos penosos labores do povo essas partidas de prazer renovadas do antigo regime. Seus companheiros quiseram prosseguir, mas ele os dissuadiu: “Desde que o nosso passa tempo fez raiva a esse bom homem e o pode escandalizar, retiremo-nos”. Outra vez, na via férrea, um sujeito obeso e arrogante invade o carro-salão e senta-se-lhe em frente sem a menor atenção. Fez-se logo em torno o silêncio; o homem porém rompe-o, fa­lando, a princípio no bom tempo, depois nos negócios, e na República e Império, e final­mente no Conde de Chambord, a quem chama o “pretendente fátuo e estúpido” e o cobre de injúrias. Os da comitiva do Conde o interrogam com o olhar, prontos a reagir mas ele com um ligeiro sinal proíbe o replicar, e deixa o insolente blaterar à vontade sem que ninguém dê indício de lhe prestar aten­ção. O Conde se formara e se nutria todos os dias na escola d’Aquele que disse Apren­dei de mim que sou manso e humilde de co­ração. Pela manhã e à noite ele se reco­mendava com fervor ao Sagrado Coração; em sua capela fazia-se-lhe todas as sextas-feiras do ano três horas de adoração, em cada primeira sexta-feira do mês um ato de desagravo, e na solene festa anual a consa­gração plena do chefe da casa e de toda a família real, consagração que ele por dele­gados seus fazia efetuar-se também no mes­mo dia nos santuários de Paray e de Montmartre. Se ocupasse o trono, dizia ele, teria gosto em mostrar-se o “filho mais velho do Sagrado Coração”, como a França era a filha mais velha da Igreja. Quando conhecia os sintomas da enfermidade que lhe deu a mor­te, preparou-se com uma novena regular de Comunhões nas primeiras sextas-feiras da­queles meses e, oferecendo a sua vida pelo incremento de fé cristã e pela paz da Fran­ça, morreu a 22 de agosto de 1882, véspera da festa de S. Luís, estreitando ao peito a cruz cheia de relíquias que trouxera de sua peregrinação a Jerusalém.

DIA 24

No dia 5 de junho de 1841 recebia a unção sacerdotal em Turim o jovem João Bosco, que por suas obras admiráveis foi depois chamado o Vicente de Paulo do sé­culo XIX. Aos dois anos de idade ficou órfão de pai, e o educara sua mãe de cujas virtudes cristãs se pode ajuizar por dois fatos. Um dia, atravessando uma rua na ocasião em que um velho aí proferia palavras escandalosas, voltou-se para o filho que a acompanhava e disse: “Meu filho, se jamais tivesse de te assemelhar a este infeliz, eu pediria a Deus que te desse já a morte”. Outra vez, aconselhando alguém a S. João Bosco que se fizesse padre secular, porque lhe seria mais fácil conseguir uma alta po­sição, a mãe acudiu logo: “Filho, se fazendo-te padre viesses a enriquecer, sabe que eu não poria mais os pés em tua casa; pobre nasci, pobre quero ficar; uma só coisa me interessa; é a salvação de tua alma”. E cor­respondendo ao sentir de sua mãe, D. Bosco só quis fazer o bem; a divisa que mais tarde escolheu, e que se ligou a todas as suas obras, di-lo muito claro: “Dai-me almas e de tudo o mais privai-me”. Feito sacerdote, entrou para o Instituto de S. Francisco, no qual se aperfeiçoavam os padres no conhe­cimento da moral prática e na pregação, e se exercitavam no sagrado ministério, visi­tando os pobres, os enfermos e os presos. Nessa aprendizagem teve ele ocasião de ver muitos jovens e até meninos que se tornaram presas do vício e do crime pelo aban­dono em que se achavam e maus exemplos dos que os cercavam; contristado pensou logo o jovem em fazer alguma coisa para remediar a tão grande mal. Nessas disposi­ções, poucos dias depois, preparando-se para celebrar a Missa, ouviu gritos; indagada a causa, era que o sacristão, à busca de quem ajudasse a Missa, batera em um menino que a isto se recusava, aliás por não o saber. D. Bosco tranquilizou ao pequeno, pedindo- lhe só que assistisse ao ato, e, acabado que foi, interrogou-o, verificando que ignorava de todo a religião. Tomou a si instruí-lo, e nessa mesma tarde lhe ensinava a fazer o sinal da Cruz. O catecismo feito a Garelli atraiu outros e outros, e ao fim de dois meses contava já uma centena de alunos; as reuniões deles se chamaram desde então “oratórios”, porque a base do ensino e o ca­bedal maior da empresa era a oração. Dando o ensino elementar e a instrução religiosa, a escola formou também um grupo de can­tores que amenizava algures o estudo. O ru­mor da meninada, a aumentar cada dia mais chegou a incomodar a vizinhança, e D. Bosco por algum tempo só os pôde reunir num descampado, ao ar livre: “Deus não tratará aos meus meninos pior que as suas avezinhas”, dizia ele. Aí se juntavam, ao toque de um velho tambor e uma trombeta; faziam a oração, e, aos domingos confessa­vam-se com seu “pai”, e iam ouvir a Missa numa igreja próxima. Daí mesmo o pro­prietário do terreno afinal despediu-os, ale­gando que eles com o bater dos pés des­truíram a relva até a raiz. Nesta conjuntura, os amigos de D. Bosco o aconselharam a ficar somente com os vinte meninos menores e dispensar os outros. “A Providência en­viou-me estes meninos respondeu ele; eu não enjeitarei nenhum, ficai certos. Ela me fornecerá o que for necessário, e, se não qui­serem alugar-me uma casa, eu edificarei uma, com a proteção de Maria Auxiliadora. Teremos vastos compartimentos, capazes de receber todos os meninos que aparecerem, termos oficinas de toda a espécie, onde aprendam a profissão que escolherem; pá­tios e jardins para as recreações; igrejas e Sacerdotes para os educarem”. Acredi­taram que D. Bosco houvesse enlouquecido, e quiseram levá-lo para um manicômio, convidando-o a entrar num carro que o condu­ziria ele, insistindo em que os seus guias subissem primeiro, fechou sobre eles a portinhola, e mandou que o cocheiro seguisse para o destino, logrando assim os que lhe armavam a cilada. Em 1846, o padre ad­quiriu um abrigo para sua obra: era uma espécie de telheiro tão baixo, que o Arce­bispo de Turim, oficiando aí um dia, não podia estar de pé com a mitra; porém foi o abençoado embrião de que surgiu o atual santuário de Valdoco. O Padre vendeu umas jeiras de terra que eram o velho pa­trimônio da família, sua mãe dispôs até das joias nupciais e preciosas recordações que ainda guardava, e tudo se empregou em acomodar a seus destinos o casarão tosco. A Providência veio também manifestamente em auxílio dessa loucura da caridade: a casa chegou um dia a dever uma soma avultada e o credor apresentou-se, exigindo pronto pagamento; na mesma ocasião um homem procura com insistência a D. Bosco, e pe­dindo-lhe este que esperasse, ele entra brus­camente no gabinete, depõe sobre a mesa um pequeno embrulho, e sai dizendo: “Aceite isto, e reze por mim”. Era precisa­mente a quantia que D. Bosco devia. Deus abençoava as obras do seu servo, e fazia pa­tente a sua santidade por meio de uma vi­sível proteção até em circunstâncias triviais: uma vez, devia celebrar-se numa de suas ca­sas certa festa literária e à última hora aque­le a quem cabia o principal papel enrouquecera ao ponto de não poder proferir uma palavra. D. Bosco chama-o, dá-lhe a bên­ção, e diz: “Deixa-me ver, eu te vou dar a minha voz, e tu te sairás muito bem”. De fa­to, o menino recobrou a voz, e o Padre fi­cou subitamente rouco e assim esteve mui­tos dias. O foco em que este santo sacerdote buscava a inspiração e a luz em todos os seus cometimentos, o tesouro de que hauria forças e recursos para todas as suas obras, era o Sagrado Coração; foi ele quem erigiu em Roma o primeiro templo que aí existe sob tão grata invocação, e teve como uma de suas maiores e últimas consolações a de ir em pessoa inaugurá-lo em maio de 1887. Determinou também que esta fosse a devo­ção especial de todas as suas casas de estudo e de noviciado; sob os auspícios do Cora­ção de Jesus colocou as suas missões da América do Sul, a “Colônia do Sagrado Co­ração” se chamou a primeira que seus apos­tólicos missionários fundaram no Brasil, chamando ao convívio da civilização e da fé os silvícolas do Barreiro. “Eis, — escreve o bispo de Nice, referindo-se à vida de D. Bosco, — eis como ele veio a ser pai de milhares de meninos desvalidos; eis como o S. Vicente de Paulo de Turim fez tão grandes coisas, tendo só, para o sustentar, sua fé e seu coração: eis como o pequeno grão de mostarda se tornou em tão pequeno tempo essa árvore frondosa que estende sobre a Europa e sobre o Novo Mundo seus ramos vigorosos, cobertos de flores e de frutos”.

DIA 25

Firmino Suc foi um cristão que trilhou constante o caminho do dever e da virtude, na quadra da vida em que o coração mais se inclina às ilusões e gozos do mundo, e numa época de hostilidade aberta às cren­ças, de indiferença e menosprezo por deli­cados preceitos da moral. Quando seu pai, no pensamento de lhe assegurar mais fácil acesso a uma carreira pública, lhe propôs matriculá-lo numa das instituições oficiais de ensino leigo, ele declarou logo que, a todo risco, preferia aprender com os irmãos da Doutrina Cristã. O livro de suas notas mais íntimas registra as impressões que guardou da primeira Comunhão, quando, de mão es­tendida sobre o Evangelho, diante do Cru­cifixo, disse anátema a Satanás e protestou servir a Deus fielmente nos combates da vida. Anos depois, referindo-se a esta jura, escrevia ele: “Renunciei eu deveras ao mal? Entre os 12 e os 20 anos há sempre alguma coisa para atirar na água. Há faltas que ainda me sangram o coração e me fa­zem chorar”. Quais eram? Ei-las: “Sobre­tudo os meus ímpetos de menino para com os meus, que eram tão bons comigo, e a quem eu amava; com a minha madrasta, que me fazia todas as vontades, e contra quem eu às vezes gritava como se fosse martirizado. Meu Deus, concedei-me para com todos um pouco dessa doçura e bondade que transbordam de vosso Coração”. Com­pleto o seu tirocínio fez um concurso para as vagas nos correios e telégrafos; e foi no­meado telegrafista em Brest, que era nesse tempo um foco de impiedade e corrução. Aí, continuam a relatar as suas notas: “o próprio excesso do perigo foi porventura a minha salvaguarda, porque vi claro a minha situação. Sem me importar do que resul­tasse, isto é, sem respeito humano, ia à Missa; a princípio, fui escarnecido, mas continuei, deixando-os falar. Fazia minha oração; souberam e zombaram, mas eu continuei. Não saía a divagar pelas ruas e à busca de folguedos, como outros; lança­vam-me o ridículo, porém eu não recuava. Sou um tanto susceptível, e ainda me admiro de que esses motejos não me incomodassem; era a mão da Providência que me amortecia a susceptibilidade, para que resistisse ao as­salto. Estou convencido de que os meus críticos dentro de si me aprovaram e me reco­nheciam a coragem”. Firmino tinha uma pe­quena imagem do Coração de Jesus à cabe­ceira do leito, e, ao deitar-se, a invocava e beijava: “É uma guarda, dizia, e o inimigo, o diabrete negro, não ousa atacar-me ao pé dela”. Era associado ao Apostolado da Oração e o praticava nos três graus, comungando frequentes vezes. Morando distante o seu diretor espiritual, quando não o procu­rava pessoalmente, pedia-lhe conselho por carta, e era isso a quase cada passo; deste é que se lê em seu livro íntimo: “Um amigo me explicava os dogmas e fortalecia minha fé, quando minha razão o interrogava com orgulho; e eu sentia que me tornava bom e que uma força secreta e suave pene­trava em mim, como o calor a um corpo que se aproxima de um foco ardente”. Trans­ferido para o Havre, e depois a Paris, man­teve em toda a linha o seu procedimento exemplar. “Não se pode abandonar os deveres religiosos sem destrilhar, notava ele, e então ai da honestidade! sinto que cairia depressa, se não comungasse: é o tabernáculo que faz os fortes. O Coração de Jesus é Deus inteiro num peito humano: mil vezes feliz quem o compreende. Chamam “devoção nova” a do Sagrado Coração. Não há nada de novo na Igreja. Ele é um centro, é uma conjunção de forças divinas e de ora­ções humanas sob um vocábulo mais vibran­te. Sempre se procurou o Coração de Jesus, o belo livro da “Imitação” o prova, e a hu­manidade cristã sempre bebeu nessa fonte e aí se saciou. Eu corro sempre a este san­tuário, e dele trago um que de melhor, que lá renovo todas as vezes que me sinto fraquear”. Com a oração ele tinha outro meio de combater as tentações: era o trabalho. Fez estudos sérios sobre monumentos e antiguidades sacras, que mereceram os aplau­sos dos eruditos e mestres que os leram. Suas próprias distrações eram boas e santas: “Eu desenho um pequeno vitral que tem no meio um Sagrado Coração respirando amor. Tudo distrai; o espírito, a consciência, o corpo, tudo em nós aspira ao repouso pela liberdade; mas a verdadeira liberdade, o verdadeiro repouso é o dever”. Mandam-no para Nice, e aí se repetem logo as zombarias de seus companheiros de serviço con­tra o “clerical”; à refeição motejam porque guarda a abstinência, e ele delicadamente lhes oferece o que tem; perguntam-lhe escarninhos se ele vai à Missa, e responde corajoso: “E vós por que também não ides?” Acabam afinal respeitando-lhe as convicções e o proceder. Impelido sempre a avançar no caminho da virtude, resolve-se um dia a abraçar o sacerdócio; mas o seu débil organismo estava já invadido pela tuber­culose, e o mal progrediu rápido. Recolhendo-se ao seio da família, fez colocar bem perto do leito a imagem do Sagrado Cora­ção que sempre o acompanhava, “a fim de poder vê-la bem e ouvi-la, quando lhe quisesse ela falar”; e pediu também um novo escapulário. A uma senhora que o visitou no dia em que recebera os últimos sacra­mentos, disse tranquilo: “Prepararam-me esta manhã com todo o preciso para a grande viagem… Se bem que seja um erro falar assim, porque Deus não está longe. Dando até o último instante o exemplo da vida cristã, morreu em 1887, contando 23 anos de idade completos nesse mesmo dia, a 17 de fevereiro. Seus funerais tiveram o concurso de todas as classes sociais; o escritor católico Marques de Ségur publicou o “Jor­nal de Firmino Suc”, e o Pe. Laurienne tra­çou-lhe a biografia, consignando nela o se­guinte depoimento do seu diretor espiritual: “Estou convencido de que foi pela sua extraordinária devoção ao Sagrado Coração que ele veio a ser o consumado modelo de jovem cristão, que todos conheceram”.

DIA 26

Isabel Maria Cabral, de ilustre família que teve, em 1910, um digno representante entre os Padres da Companhia que a fúria carbonária perseguiu e desterrou de Portu­gal, foi também uma flor peregrina que vi­cejou ao calor do Sagrado Coração. Quan­do ainda em botão no lar, lá o perfumava com o aroma de finas virtudes. Dócil às re­comendações dos pais, terna e desvelada com os irmãos, de quem atenuava as pe­quenas faltas, quando não as podia preve­nir, foi considerada e chamada o anjo da família; para vê-la recolhida e como que a meditar, bastava dar-lhe uma pequena ima­gem. Desde que fez a sua primeira Comu­nhão, adotou como exercício cotidiano o exame de consciência, a oração mental, e as leituras de piedade, escolhendo livros como a “Imitação de Cristo”, os escritos de S. Francisco de Sales e de Sta. Margarida Ma­ria, os opúsculos de Mons. Ségur, e outros como esses; por trabalho tomou o de fazer roupas para os meninos pobres e preparar fios para o tratamento de feridos no hospi­tal; e do que entrava em seu bolsinho, dava quase tudo aos necessitados, e, tendo por mestra uma senhora cuja família se arruina­ra, mais por isso a queria e respei­tava, empenhando-se com os pais em que a protegessem. Na estação calmosa, a fa­mília Cabral ia para uma casa de campo na freguesia de Real, perto de Braga, e Isabel aí organizava peregrinações de jovens do lugar para um santuário vizinho, e com Luís Gonzaga, seu irmão mais moço, fazia tam­bém uma espécie de excursões apostólicas aos arredores, dando às colinas, bosques e rios que via, os nomes de Jesus, da SS. Vir­gem e dos Santos, como se fossem terras que descobrissem para Cristo. O seu culto era o do Sagrado Coração, e quis que em sua honra se celebrasse anualmente uma festa na capela de Real, assim como, logo que pôde viajar, foi em romaria ao santuário de Paray. Embora pertencendo à alta sociedade, Isabel tra­java com a maior modéstia, quase sempre de branco, por ser a imagem da pureza, e um dia, recebendo, em mimo, de um velho tio cônego, um par de argolas de valor, mas de mau gosto e fora do uso, a despeito de que os irmãos se pusessem a rir do presente, essa foi a joia que ela preferiu para ir no mesmo dia a uma festa brilhante e muito concorrida. Não surpreendeu, pois, a voca­ção religiosa manifestada por Isabel, ao ter­minar os exercícios espirituais feitos para conhecê-la; e as Irmãs Doroteias, cujo ins­tituto ela abraçou, desde o seu noviciado puderam atestar: “Ela amoldou-se tão facilmente a todos os nossos costumes, que parecia ter vivido sempre no exercício da Regra”. Sob a disciplina religiosa, as virtu­des e o fervor de Isabel cresceram, e em suas cartas liam-se trechos como este: “Pede para mim o desejo dos sofrimentos um grande amor a Cruz, a completa re­núncia aos meus gostos e vontade para subs­tituí-la pela do Coração de Jesus”. E seu cul­to ao Divino Coração foi tão ardente, que deixou na comunidade a prática de se lhe cantarem estrofes na visita do SS. Sacramen­to, que precede a recreação das noviças, Isa­bel procurava sempre o último lugar, esco­lhia, quanto possível, o que era de menor valor, desfazia-se de todo o supérfluo, a tra­zia enquanto lho deixavam, roupas e calça­dos usados que por suas mãos consertava. Um dia enviou a seu irmão Luís Gonzaga, professo na Companhia, um desenho seu à pena representando os corações dos dois unidos ao pé da Cruz por uma corrente que os prendia ao Sagrado Coração e que se pre­gava na cruz por três cravos, emblema dos votos religiosos. Outra vez, escrevia-lhe: “Sei que tem pregado, e me dá prazer isto: quantas almas se podem salvar por este meio. Quanto a nós que não dispomos desse e de outros recursos, tomamos coragem meditan­do no que disse o Pe. Rodrigues de vossos Irmãos coadjutores, que sem pregar nem confessar, podem obter a salvação de tantas almas”. Curta, mas assim toda cheia de san­tas aspirações e exemplos edificantes, foi a vida de Irmã Isabel Cabral. Quando trans­pusera de pouco só os 26 anos de idade, en­fermou gravemente; a suas companheiras que faziam uma novena impetrando a sua cura, dizia sorrindo: “Nosso Senhor não quer ouvir o vosso pedido; na festa de Sta. Doroteia, estarei no céu”. Já antes dis­so, estando uma vez em suas funções de mestra de desenho, uma irmã chegou-se e pediu-lhe um objeto de que precisava: “Vede, lhe disse, a disposição de todas es­tas coisas; breve me substituireis”. E assim foi. De outra vez anunciou que não tardaria a vestir o hábito completo da sua Ordem o que só se fazia no leito de morte. No segundo dia de moléstia, quis receber o Viático, e, perguntando-lhe a superiora se Nosso Senhor não a deixaria ainda viver, como suas Irmãs desejavam, respondeu: “Ele me disse que eu vá para o céu, de lá vos ajudarei muito; eu orarei por vós, por esta casa, por todos”. Mais tarde recebeu ainda os sacramentos e a bênção papal, e dizendo em voz forte: “Como é doce fazer a vontade de Deus!” expirou. Na Congre­gação de Sta. Doroteia como noutras, é costume tirar por sorte o ofício que se há de exercer cada mês, em hora determinada, para com o Sagrado Coração. Nesse mês coubera a Isabel o ofício de “vitima”, e sua hora de culto e união era de onze à meia noite; e nesta hora morreu numa sexta-feira.

DIA 27

O Dr. Agostinho Fabre foi um médico ilustre pelo saber, por sua corajosa fé cristã e pela extrema caridade com que exerceu sua profissão. Filho de um rico negociante, ele teve a fortuna como um bem secundário e do qual devia aplicar sempre às boas obras o supérfluo: indo fazer em Paris os estudos superiores, mobiliou tão modestamente os seus aposentos, que sua própria mãe, ao visitá-lo, o estranhou ; e empregava em es­molas uma boa parte da pensão que recebia. Ainda estudante, alistou-se nas Conferências de S. Vicente de Paula, distinguindo-se entre os mais zelosos de seus membros, e numa prova pública do tirocínio acadêmico sustentou a sua crença na Providência Di­vina, sem nenhum temor dos ouvintes e juízes eivados do materialismo e que se lhe mostravam hostis. Aos 28 anos era profes­sor, e com o brilho e vigor de suas lições prendia os discípulos, como escreveu um de­les, fazendo conhecido seu nome na Europa e citadas com apreço as suas obras nas prin­cipais revistas médicas. Mas, ao contrário dos que desprezam tudo o que não podem trazer para o campo de suas observações de modo a analisá-lo e decompô-lo, Agostinho Fabre via a reger e presidir o universo uma causa suprema que lhe explicava o equilí­brio e a harmonia dos seres, e queria “a ciência esclarecida pela fé e Deus glorificado pela ciência”. No exercício da medicina tanto o caracterizava o desinteresse unido à generosidade, que vulgarmente o chama­vam o “médico dos pobres”, tinha para to­dos estes um dia da semana, e era certo vê-los apinhados na rua a esperarem a sua vez da consulta, na qual lhes dava com a receita o dinheiro para a botica e o mais necessário. Acudia aos enfermos com verdadeiro carinho, dirigindo-lhes palavras de conforto, lendo-lhes às vezes uma página da “Imita­ção de Cristo”, e prestando-lhes qualquer serviço preciso na ocasião. “Eu tomarei os remédios que indicais, disse-lhe um dia uma doente, porque sois um santo”. O bom dou­tor sorriu, e, voltando-se para o berço onde dormia uma criança, inclinou-se, beijou-a na fronte, e respondeu: “Eis o santo, aquele que nunca ofendeu a Deus”. Católico de ideias e obras, Fabre foi quem promoveu em Marselha a organização da “Liga do Co­ração de Jesus”, e com tanto zelo e êxito, que em poucos meses, no ano de 1874, a diocese enviava a Paray-le-Monial uma peregrinação levando rica oferenda simbólica em que iam inscritos os nomes dos primei­ros 50 mil associados da “Liga”. Instituiu também a obra da “Adoração noturna” da quinta para a sexta-feira, sendo o primeiro a apresentar-se: foi proposto que lhe cou­besse a primeira hora para que pudesse re­pousar dos labores do dia, mas recusou-o e quis que se fizesse por sorte a distribuição das horas e qualquer que fosse a sua, ficava até a hora da Missa que encerrava o exer­cício. Quando a perseguição religiosa quis fechar o santuário e hospício de Notre Dame de la Garde ele como administrador invocou a lei contra o atentado e deitou-se de tra­vés, na porta do corredor: os dois comis­sários passariam sobre seu corpo, mas os agentes da polícia recuaram. Anunciando-se que seria punido, os alunos da escola mé­dica, “sem distinção de opiniões”, protesta­ram na imprensa, e no primeiro dia de aula receberam-no com brilhante ovação. A um amigo que o aconselhava a poupar-se, res­pondeu: “Eu descansarei no céu”. Na lida, à cabeceira de um enfermo, sentiu os pri­meiros sintomas da morte, e voltou pressuroso a casa, mandou chamar o cura para lhe administrar os sacramentos, despediu-se da esposa, confortando-a, e teve ainda nessa hora extrema um pensamento para os po­bres, pedindo que mandassem levar a certa pessoa, que indicou, uma quantia que lhe prometera. À hora em que morria, um agente policial batia à porta, acompanhado de uma mulher que clamava: “Digam que é para um pobre, que é certo ele vir”. Ao ouvir que o Dr. Fabre estava à morte, o agente disse comovido: Só assim é que a um pobre ele não acudiria”. Nesse mesmo dia, celebrava-se na igreja de S. José a assembleia anual do “Comitê católico”, e o lu­gar do Dr. Fabre, um dos primeiros, estava ali vazio; o Cardeal Perraud assinalava-o com lágrimas, dizendo: “Esta manhã, Mar­selha foi fulminada por nova consternadora: o Dr. Fabre morreu; o amigo dos pobres, o sustentáculo de todas as Obras que inte­ressam a Igreja e as almas. A grande ora­ção fúnebre desse cristão será feita pelo pranto dos pobres, pela saudade de todos, e por essa revelação que segue a morte e que nos deixa entrever as eternas recompensas das virtudes cristãs”.

DIA 28

Aos incrédulos e mundanos parece in­crível que alguém queira viver peregrinando e a mendigar por amor de Deus e do pró­ximo; julgam-no desprezível e condenável como sinal de indolência e profissão de ociosidade. S. Bento José Labre o quis e praticou, de modo tal que foi para ele o mé­rito e uma glória, e a Igreja, elevando-o a seus altares, mostrou que também isto pode ser um meio de santificação, e que os infeli­zes que as vicissitudes da vida forçam a im­plorar a esmola tem no céu um patrono es­pecial para lhes ensinar a resignação às re­pulsas e à confiança na Providência. Bento Labre, educado por um tio pároco de Erin, manifestou desde cedo inclinações piedosas e capacidade intelectual que deram esperan­ças de que viesse a abraçar o sacerdócio. Reservava para os pobres o melhor de suas refeições, lho ia distribuir às ocultas; en­tre os companheiros, a uns aconselhava, a outros repreendia amigável, e reconciliava os desavindos, fazendo tudo isso tão habilmente, que o povo o chamava o “pequeno Cura”. Grassando uma peste na freguesia, ele, embora avisado pelo tio de que se deve acautelar, o acompanha sempre à visita dos enfermos, expondo-se de perto ao perigo; e toma sobre si a tarefa de alguns dos atacados, indo cuidar dos rebanhos que eles guardavam, ou carregando às costas fardos de forragem que deveriam transportar. Morrendo de peste seu tio padre, Bento Labre, logo que pôde, recolheu-se à Cartuxa de Neuville, e depois, em busca de um ins­tituto mais rigoroso, a Trapa de Sept-Fons, onde os superiores, embora edificados pela sua conduta, não o puderam conservar pela declaração dos médicos de que era muito débil para observar a Regra. Destinava-o Deus à singular função de passar entre os povos como um vivo exemplar do Divino Crucificado, lembrando aos ricos o “quid prodest?” (que se lucra?) que tantas ve­zes lhes segreda o vácuo d’alma, e fazendo ver aos indigentes que a pobreza aceita e pa­ciente é um tesouro que enriquece e alegra a alma. Com uma pobre veste, um bastão, o Crucifixo pendente ao peito e um rosário de grossas contas passado ao pescoço atra­vessou a pé extensas regiões da França, Es­panha, Itália e Alemanha, visitando os san­tuários mais notáveis, onde ficava longas ho­ras embebido na oração. Circunstantes, e quem era desconhecido, viram-no por vezes nos templos, cercado de uma auréola que mal deixava perceber numa quase escuridão os que se achavam em redor, com os olho fitos no céu e suspenso do chão. Seu pere­grinar não era nem um instante ocioso; ca­minhava, fazendo sempre o bem: aqui, a consolar um aflito; ali, a dar um conselho de salvação ou a pensar um enfermo; adiante, a obter do céu uma graça para quem o beneficiara, e, a miúdo, a repetir com seus irmãos indigentes a esmola toda que rece­bera. Numa de suas viagens, recolheu-se atacado de febre ao hospital de Paray-le-Monial, onde tanto impressionaram às Irmãs o seu aspecto penitente e atos de virtude, que elas guardaram com apreço as migalhas de pão que deixou de suas refeições; e as Religiosas da Visitação por sua vez não es­queceram nunca o êxtase fervoroso em que ele ficava longas horas no lugar das apari­ções do Salvador. Em Roma, ia frequentemente orar numa capela da igreja do Gesu, onde havia um painel do Sagrado Coração; e nas igrejas em que se fazia a adoração das “Quarenta-Horas”, pedia que o deixassem passar a noite de guarda ao Santíssimo Sa­cramento. Antes de dormir, todos os dias se consagrava ao Divino Coração dizendo: “Eu quero de toda a minha alma repousar em vossa santa graça. Este coração que me destes onde melhor o posso colocar do que no vosso? É aí que eu o deposito, é meu doce Jesus! É aí que eu quero habitar e que desejo tomar o meu descanso”. Sua vida foi “um ato contínuo de adoração”, que veio a encerrar-se com a mais suave morte numa quarta-feira santa, em que ouviu muitas Mis­sas e à leitura da Paixão se desfazia em lá­grimas e caía em delíquio. O corpo ficou insepulto até a Páscoa e se conservou flexí­vel como se estivera só adormecido, sem a mais leve exalação má. O povo afluiu em massa a contemplar e bendizer o “Santo das Quarenta-Horas” e foi um verdadeiro cortejo triunfal, mais sincero que o dos antigos Césares Romanos, o préstito para o enterramento desse mendigo que comia um pão esmolado e dormia ao relento!

DIA 29

A virtude perfeita de uma pequena ope­rária é a jóia que o Sagrado Coração agora nos expõe em seu preciosíssimo escrínio. Maria Husson, desde criança, conheceu e suportou paciente as privações que são como que a herança dos pobres. Quando os ban­dos de meninas, passando aos saltos e car­reiras para o vale ou a montanha, lhe grita­vam: “Vem brincar conosco, o dia está tão bonito!” — ela que devia guardar a casa, porque-seus pais tinham ido trabalhar no campo, respondia sem pesar e sem queixa: – “Eu tenho as pernas fracas para correr, e meu coração bate muito quando subo ao monte”. Entrando para a escola de Rignat ganhou depressa a estima da mestra pela sua conduta exemplar e vivo desejo de aprender, que, favorecido por uma inteli­gência clara e penetrante, lhe alcançou rá­pidos progressos. Suas próprias condiscípulas reconheciam que ela se distinguia entre todas, e não lhe queriam mal por isso. Algu­mas delas uma vez observaram entre si: “Que tem Maria que nós também não te­nhamos? Nós fazemos o que ela faz: ler, coser, estudar, ir à Missa, e o mais. Isto não é nada extraordinário; entretanto…” Uma das mais atiladas e francas acudiu en­tão: “Não há nada extraordinário nisto; mas olha, o extraordinário é fazer todas es­sas coisas do melhor modo possível, e sem­pre bem, como Maria o faz, ao passo que nós, tu sabes…!” — Maria, porém, não pen­sava em sobressair nem se julgava superior às outras; o que ela queria, só era aprovei­tar-se bem das lições recebidas, e todos os dias ia pedi-la a Jesus na igrejinha da al­deia, falando-lhe como se o visse com os seus olhos. Nas instruções do padre sobre a primeira Comunhão, ela ouviu que deviam confessar todos os pecados, mas que só era pecado o fazer voluntariamente alguma coisa proibida por Deus ou recusar-se ao que ele mandava; Maria estava quase certa de nunca ter tido essa vontade contrária a Deus, e foi o que com toda a candura acusou ao sacerdote, o qual, encantado da confis­são que ouvira, encaminhou-a contente para os braços de Jesus como um anjo terrestre. Acabado o tirocínio escolar, a fim de ganhar logo honradamente os meios de vida, por ser de compleição fraca, abraçou a profis­são de costureira que lhe proporcionava tra­balho, porém deficiente às vezes e mal re­munerado, dando-lhe, porém, ocasião de, no trato com a freguesia ou nas diligências da tarefa, aconselhar ao bem ou desviar do mal, e não poucas vezes socorrer outras ainda, mais necessitadas que ela. Para fazer tais prodígios, vestia com simplicidade e modéstia, e em sua mesa havia só o necessário para que não padecesse fome; em compensação, o seu tesouro de virtude cres­cia, e o Cura de Rignat a apontava como a melhor cristã de sua freguesia. As crianças amavam-na como a uma verdadeira mãe, e os adultos a consultavam nas mais sérias di­ficuldades, e queriam-na à sua cabeceira na hora da morte. Maria Husson começava e acabava o dia, pedindo inspirações e Forças ao Coração de Jesus, e sempre lhe parecia ouvir dele: “Avante! Sede cada vez mais humilde e delicada por amor de mim”. Mas, humilde embora, como Jesus, a meiga ope­rária teve um dia um grito de indignação contra um insolente que em lugar público insultava uma pobre jovem: “Não mereceis a honra de ser homem, pois que falais como se fôsseis um bruto!” E ele emudeceu e fugiu. Tendo-se fechado a escola infantil, Maria, sem olhar a sacrifícios, decidiu-se a restabelecê-la, ensinando ela mesma; e o fez de modo admirável e proveitoso du­rante seis anos, em que instruiu solidamente suas discípulas para os trabalhos e deveres da vida, e formou com elas uma legião de cristãs que, pelos seus cuidados e esforços, vestidas de branco, e em concertos angé­licos, solenizavam anualmente a festa da pri­meira Comunhão e a procissão de “Corpus Christi”. O abatimento das forças e as exi­gências que lhe fez o representante do en­sino oficial obrigaram-na a retirar-se da es­cola; porém, saindo logo a esmolar, co­lheu daqui e dacolá uma quantia com que pôde fornecer a duas Religiosas de Chastei a casa e o estrito necessário para que vies­sem ensinar em Rignat, adicionando ela a esse modesto cabedal tudo quanto da pró­pria mesa podia reservar. Por último, ao voltar de uma detida visita ao santo Cura d’Ars, veio a arder em um novo zelo e toda entregue à ideia de que se devia dar a Jesus em Rignat uma habitação digna, pois que a sua estava nua e arruinada, tomou a agulha e, trabalhando dia e noite, condenando-se a privações pôde fornecer, ao serviço do altar, paramentos, alfaias, ornatos, operando uma transformação ante a qual o povo dizia: “Como pode ela fazer tudo isto? Parece que Deus manda os anjos a ajudá-la; há igrejas de grandes cidades que não se ornam como a nossa”. Depois tratou da res­tauração do templo, e apelou para todos, aceitando o concurso em dinheiro, mate­riais ou dias de trabalho; ninguém ficou ocioso: enquanto os homens trabalhavam na construção, as mulheres iam ao vale bus­car água para fazer cal e a argamassa. E as­sim ergueu-se uma bela igreja gótica, mais vasta que a primeira. Coroados assim todos os seus pios desejos, chamou-a Deus a contemplá-lo em toda a sua grandeza e gozá-lo em todo o seu amor, deixando na terra natal a saudade e o exemplo de uma per­feita cristã. A um viajante, que, de passa­gem na aldeia, perguntava de quem era tão solene e comovente préstito, respondeu o Cura: “É de Maria Husson, pobre operária, que todavia foi durante mais de meio sé­culo, a Providência visível de Rignat, e a benfeitora de sua igreja, sua escola e seu povo”.

DIA 30

O luminoso cortejo que no decurso deste mês temos visto desfilar em honra ao Sagrado Coração, fecha hoje com o vulto de um egrégio brasileiro: D. Vital, bispo de Olinda. Um traço da sua infância revelava já, como que em gérmen, a vocação religiosa que mais tarde lhe encheria nobremente a vida: morando perto da igreja, seus pais vinham achá-lo muitas vezes ali, a ouvir a Missa, ou rezando muito devotamente. No colégio de Benfica onde fez os estudos secundários, como escreve o seu professor de latinidade, captou depressa a estima e apreço de mestres e alunos, e ocupava sempre nas aulas o primeiro lugar. Depois entrando para o Seminário, tanto se recomendou por seu talento e piedade que o Prelado lhe fa­cultou em prêmio o ir acabar seus estudos em Paris, no seminário de S. Sulpício. Aí sustentou brilhantemente as teses finais de filosofia, e, como informa um companheiro, superiores e iguais o viam sempre cingido ao regulamento, e, se por acaso incorria na me­nor falta, a reparação era pronta. Mas, na grande capital francesa em que tantas vezes se desvaneceram aspirações piedosas, no afamado instituto eclesiástico em que se for­mavam os combates para os primeiros postos da milícia católica, Vital só teve uma ambição: professar numa Ordem religiosa, pobre e humilde. Recolheu-se para isso em 1863 ao convento dos capuchinhos em Versailles, onde fez o noviciado, indo depois para o de Toulouse, que era a sede dos es­tudos na Ordem. “Parecia deliciar-se nas privações que o cercavam”, relata um visi­tante (o Pe. Dr. Barroso). E, falando so­bre a sua próxima profissão, dizia: “Ora muito por mim, a fim de que Jesus faça deste seu indigno servo um perfeito religioso, um verdadeiro filho do Serafim chagado de Assis”. Em 1868, ordenado presbítero, ele era logo chamado para o seminário de S. Paulo no Brasil, que estava sob a direção dos Religiosos capuchinhos; e lhe foi ali con­fiada a cátedra de filosofia, que regeu com toda a proficiência. Porém a muito mais alta missão destinava a Providência o exem­plar sacerdote que sob o rude burel, quisera furtar-se às honras e dignidade. Em 1871 surpreendeu-o, em seu retiro, a nomeação para bispo de Olinda, e não houve escusas que o livrassem. A 24 de maio de 1872, do sólio de sua catedral saudava o rebanho e desejava-lhe a paz, “não a paz fementida e efêmera do mundo, comparável à vaga do oceano que expira aos pés do homem sem poder atingir a sua parte superior e divina, mas a paz de Deus, que se baseia no cum­primento do dever, no testemunho da cons­ciência pura, e que acompanha o cristão até a eternidade”. Mas a paz que aí então rei­nava era, em grande parte, a da confusão e indiferença religiosa, a de um culto que se satisfazia de meras exterioridades e bania o essencial; a paz de uma aliança enganadora e funesta em que as lojas maçônicas se en­chiam com o seu pessoal, e com a sua ímpia orientação desvirtuavam os sodalícios ca­tólicos. D. Vital viu, constrangido, o pe­rigo crescente, não poupou meios brandos e suasórios para sustar o mal; o inimigo, po­rém, respondeu, atacando pela sua imprensa os dogmas de fé e a pureza da SS. Virgem, pretendendo comemorar a fundação de lojas com solenidades na igreja, e fazendo-se eleger presidente de uma confraria que tinha sua sede próxima do palácio do Bispo um chefe da seita que em seu jornal blasfemava das coisas sagradas. Lançado então o interdito sobre as Irmandades refratárias, exasperou-se o ódio sectário, e o Bispo foi preso e arrastado à barra do Supremo Tri­bunal. Do Episcopado, das Câmaras, da imprensa jurídica, de todas as classes sociais, levantavam-se protestos; mas ao leme da nau do Estado se achava o Grão-Mestre do Oriente, e a condenação se fez, contra o voto de um só dos juízes. D. Vital, quando lhe apresentaram o libelo para dizer em sua defesa, escreveu somente as palavras do Evangelho sobre o interrogatório de Cristo no tribunal de Caifás: “Jesus se calava: “Jesus autem tacebat”. Devotíssimo do Sagrado Coração, fora ele quem primeiro ha­via divulgado no Brasil, por uma tradução sua no vernáculo, um livro de exercícios do mês dedicado a esse culto; ao Coração de Jesus, por uma pastoral expedida aos 12 de junho de 1874, da fortaleza em que o pren­deram, antecipando-se a consagração universal decretada por Pio IX, consagrou ele a sua diocese dizendo: “Entremos por aquela porta da vida, que no lado do nosso adorável Salvador foi aberta de par em par dessa fonte perene de todas as graças; per­maneçamos nesse paraíso de delícias inefá­veis, até o nosso último alento”. Mudando a situação política, o novo governo, em setem­bro de 1875, anistiou os eclesiásticos envol­vidos no conflito religioso, e D. Vital, desde que lhe foi restituída a liberdade, quis ver a Pedro, quis ouvir o Vigário de Jesus Cristo, que o acolheu com toda a confiança e o cumulou de atenções; no aniversário da sua prisão em Olinda, ele celebrava o santo Sacrifício no Cárcere Mamertino. A 6 de outubro seguinte D. Vital voltava à sua diocese, e do púlpito da igreja de São Pedro, falava assim ao amado rebanho: “Ben­dito seja Deus, desencadeando a procela; bendito seja Deus trazendo-nos a bonança! Conseguiu a mão da violência, arran­cando o Pai do seio da família, atirá-lo para bem longe; mas não logrou que ele a es­quecesse um momento sequer. Lá mesmo na solidão do cárcere fostes o objeto contínuo das nossas vigílias, a imagem constante dos nossos sonhos. E quem, senão essa mesma pastoral solicitude nos impeliu a atravessar o Atlântico, em demanda da Cadeira Apos­tólica, centro da unidade? Pela segurança do rebanho cometido à nossa vigilância, não cessaremos de propugnar um só instante. Venha de novo o cárcere com todas as suas provações: já o conhecemos. Venha o desterro; empunhando o bastão de pere­grino, tomaremos o caminho do exílio. Ve­nha a própria morte violenta ou traiçoeira: nada de tudo isto, saiba a impiedade, nos há de acobardar o ânimo. Sim, venha a morte por amor do rebanho estremecido; venha essa morte tão bela! A cruz no peito, Jesus nos lábios, os olhos no céu, recebê-la-emos radiante de prazer. Serás, ó morte gloriosa, o nosso maior triunfo”. Em 1877 o ínclito bispo veio ainda ao Rio de Janeiro, de onde partiu com uma romaria brasileira, para a França, visitando nessa ocasião al­guns dos grandes santuários desse país e da Itália. Em todas as suas viagens hospedava-se nos conventos de sua Ordem, onde havia, e aí desaparecia logo à entrada o bispo, fi­cando só o humilde capuchinho: de uma testemunha ocular, digna de todo o crédito, soube-se que “às sextas-feiras, e em algumas semanas mais vezes, sobretudo se ocorria festa Solene de Nossa Senhora, servia à mesa, ia à cozinha lavar a louça, varria o refei­tório, e empregava-se nos misteres os mais humildes” e “foi surpreendido muitas vezes sozinho, descalço, em tempo de intenso frio, a praticar a devoção da “Via-crucis” no claustro do convento. E tão contente se sentia então, que muitas vezes disse a um sacerdote seu amigo: “Que boa e santa vida! Quem me dera morrer por aqui entre meus irmãos!” Sofrimentos que lhe mi­navam o forte organismo, e cuja origem real seus médicos não puderam conhecer bem, agravaram-se em Roma no mês de ja­neiro de 1878, e, aconselhado a voltar para a França, recolheu-se ao Convento dos Ca­puchinhos em Paris, onde morreu a 4 de julho. O Religioso que lhe serviu de enfer­meiro, em carta que foi publicada, escreveu: “Durante os três meses que passei com ele sem jamais o deixar dia e noite, nunca notei nele a menor imperfeição; nunca se queixou, nunca murmurou, nunca deu demonstrações de mau humor nem de impa­ciência; sempre calmo, resignado, contente e reconhecido a tudo o que se lhe fazia; pe­dindo a Deus sofrer ainda mais, se esta fosse a sua santa vontade, ter o seu purgatório neste mundo, perdoar seus inimigos e mor­rer pela Igreja do Brasil… Já desde quarta-feira tinha pedido e recebido os últimos sacramentos, assistindo a esta cerimônia toda a comunidade reunida. O Pe. Pro­vincial dirigiu-lhe uma tocante alocução; todo o mundo chorava, somente S. Exa. es­tava calmo e resignado. A partir deste momento permaneceu ele recolhido em Deus, não se ocupando mais o seu pensamento se­não da eternidade. O dia de quinta-feira passou assaz calmo, mas à noite pelas dez horas entrou em uma suave agonia, meia hora depois disse-me ainda algumas pala­vras que não pude compreender e às onze horas e quinze minutos extinguiu-se doce­mente e em pleno conhecimento. Acabava em um ato de adoração noturna, ao entrar da primeira sexta-feira do mês, o dia espe­cialmente consagrado ao Coração do seu amantíssimo Jesus.

 

Visto em: https://mesdosagradocoracao.wordpress.com/2011/04/02/ms-do-sagrado-corao-de-jesus-junho/

Busca


Sábado, 23 de Novembro de 2024










Mulher Vestida de Sol